18/08/2025  00h30
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
COLUNISTA
Eduardo Souza (*)
11/02/2014 - 07h08
Bicicletas
 
 

Minha primeira bicicleta foi presente de um tio muito querido, o tio Alvinho, irmão de meu pai, que morava no Rio de Janeiro. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos. Era uma bicicleta masculina, para adultos. Rex, a marca. Não me lembro de ter visto outra bicicleta desta marca. Acho que era inglesa, como a Philips de meu tio Zé. Era muito pesada, muito grande para mim. Não conseguia pedalar. Minha mãe, então, decidiu trocá-la por uma Monark feminina, menor e mais leve. Essa Monark – de cor vermelha – foi o meu segundo envolvimento amoroso a sério. O primeiro foi minha canoa de guapuruvu, que também era levinha, magrinha – a Mirim. Só eu entrava nela, no bom sentido, sem que ela emborcasse. Uma canoinha arisca que só vendo. Passávamos tardes inteiras no rio Grande. Naqueles tempos, nem imaginava que, entrando na adolescência, iria encontrar outros meios de navegação mais prazerosos e que se tornariam uma obsessão juventude afora.

Voltando à Monark feminina vermelha, éramos inseparáveis. As ruas de Ubatuba logo se tornariam pequenas. Então, resolvi aventurar-me a locais mais distantes sem, é claro, o conhecimento de minha mãe. Naqueles tempos, crianças hiperativas sabiam dos argumentos apodíticos de uma timupevada nas pernas ou nos glúteos – não machucava, mas ardia para baralho. Saí de manhã bem cedinho, sorrateiramente, com o sol nascendo e me mandei para o bairro do Lázaro. Fui parar na casa de minha tia-avó Sebastiana. Passei lá o dia inteiro, caçando passarinho de estilingue. Na hora de vir embora, enchi o caixotinho de madeira, que havia prendido no bagageiro da magrela, com mexericas para presentear minha mãe, tendo em mente a timupeva. Não consegui escapar. Mas valeu a pena a aventura. Naquela época, o Lázaro exalava o perfume das inúmeras jaqueiras que margeavam a estrada.

Não parei de pedalar para lugares cada vez mais distantes de casa para caçadas de estilingue, pescarias e colheitas de mexericas, goiabas, cajus, jabuticabas e outras frutas que havia em abundância no mato, nos terrenos baldios e nos inúmeros pomares dos quintais sem cercas das casas caiçaras. Roubar frutas! Os proprietários faziam vista grossa. Era coisa de criança, de moleques. Naqueles tempos, muitas situações se resolviam com tolerância e prudência, sem essa insanidade de recorrer às barras dos tribunais. Naqueles tempos o Estado não se arrogava competência nem o direito de dizer como devemos criar e educar nossos filhos, coisa de estados totalitários, coletivistas.

Sou um ciclista inveterado. Mas nossas ruas já não são como antigamente. Tenho medo de pedalar por essas mesmas ruas da infância. Já fui atropelado duas vezes. Tenho medo de enfrentar a hora do rush em nosso sistema viário, que deve ter se espelhado nas ruas de Nova Delhi. Mas lá, apesar de toda aquela muvuca, até as vacas trafegam incólumes. Já por aqui, tenho pavor só de pensar no que poderá acontecer nesta temporada.

(*) Texto inédito.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.