Ao me pedir para escrever esse artigo, o editor me perguntou: "Está valendo a pena?" referindo-se ao regime político que vivemos desde a passagem do poder dos militares para os civis. Creio ser impossível uma resposta direta, sem qualificações, à pergunta, daí me alongar antes de tomar uma posição. Para começar, o estamento militar, por regra geral, consegue formar muito bons quadros, uma verdadeira aristocracia do serviço público, treinada no maior esteio moral e no compromisso inalienável com o patriotismo. Por mais erros que os governos militares tenham cometido - e o fizeram aos montes - seus líderes foram homens da maior envergadura moral e sempre puseram o interesse público acima e além dos interesses pessoais. Escolhiam os auxiliares, civis e militares, entre os melhores quadros da Nação, colocando em segundo plano a miudeza do poder. O mesmo não poderíamos dizer de muitos dos novos governantes civis, que chegaram ao poder em cima de um discurso populista mentiroso, apoiados por forças que buscavam apenas as benesses dos cofres públicos. O maior pecado dos governantes civis foi não apenas baixar a guarda em relação aos arautos do coletivismo, deixando-os desimpedidos para a sua propaganda nefasta, que tem dominado todas as áreas da vida prática, mas sobretudo porque alguns deles são também arautos do "outro mundo possível". Desde então temos visto o crescente assalto tributarista sobre os que trabalham, temos visto a ética do trabalho vilipendiada, substituída pela mentira de que o Estado distributivista pode prover as necessidades de todos, temos visto os livros de história serem reescritos, a educação virar adestramento revolucionário, o lixo socialista substituir os valores éticos superiores da nossa civilização. Cada prefeitinho vermelho que assume quer implantar a sua utopia macabra na sua jurisdição, infernizando a vida de todos. E temos também o despreparo intelectual e a cegueira ideológica de muitos deles. Ainda na última segunda-feira pude ver o programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, onde foi entrevistado o ex-presidente Sarney. Ele é a figura histórica emblemática desse período. No seu governo o viés coletivista galopou e o desrespeito pelos cidadãos que trabalham ganhou dimensão de governo. A idéia ridícula de que o Estado poderia substituir o mercado virou plataforma de governo. E, o pior de tudo, confessou sua própria ignorância em matéria econômica e relatou o duelo que os economistas que lhe eram próximos travavam para determinar as grandes decisões governamentais. Sarney jamais se deu conta de que há economistas e economistas e que sempre esteve cercado pelos advogados do socialismo, ignorando haver uma verdade superior na ciência econômica, que está com os liberais. Cometeu, com seus Planos Cruzados I e II, as maiores violências contra os brasileiros, destruindo empresas, empregos, as finanças públicas, fazendo explodir a inflação, criando moratória "técnica" e soberana, reduzindo o Brasil a uma Nação de terceira classe. O governo Sarney pode ser considerado a mediocridade por antonomásia. Se Tancredo Neves tivesse assumido a nossa história seria bem outra, pois ele era um estadista, um conservador esclarecido, alguém mais bem preparado e mais legitimado para conduzir a Nação. Infelizmente, o destino quis que o vácuo se instalasse e, com ele, as esquerdas dominaram. Sarney terá sido o seu maior companheiro de viagem. A revolução gramsciana já vinha desde os governos militares, mas na nova era pós 1985 ganhou liberdades jamais vistas, de maneira a entorpecer a maioria da população. Colocar o apedeuta Lula no poder foi apenas uma conseqüência lógica, inevitável e previsível. Disso Sarney afirmou que se orgulha. Há algum limite para a mediocridade? A democracia vale a pena, sim, é um valor superior da civilização. O abuso sobre a ordem democrática, não. Em nome da democracia o estamento político mente, rouba os brasileiros, tira-lhes o direito à inteligência que é na prática impedir o exercício da liberdade. De Sarney a Lula o que vimos é o espaço privado estreitar-se em prol do coletivismo. A liberdade definhou. Nossa democracia tem sido uma fraude, na medida em que oferece ao eleitorado a falsa alternativa de escolher entre mais esquerdismo e menos esquerdismo. A esquerda sempre ganha o poder afinal. É nisso em que consiste o nosso aleijão político. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas na FGV-SP.
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