Ser médico deveria ser sempre uma opção diretamente relacionada ao compromisso social. Afinal, quem trata de saúde, de vidas humanas, têm de focar o próximo, o bem–estar dos cidadãos. Houve época em que a medicina era uma espécie de trincheira dos românticos. Ao praticá–la, o profissional criava elos consistentes com os pacientes, com os parentes dos mesmos; tornava–se quase mais uma pessoa da família. A mercantilização no campo da saúde suplementar, a falta de políticas para a valorização dos recursos humanos na área pública transformaram completamente esse quadro no decorrer das últimas décadas. O perfil dos novos médicos foi contaminado por essas distorções e ainda pela formação inconsistente oferecida pela maioria dos cursos de medicina, aberta com a ótica do lucro e não do humanismo. Temos no Brasil atualmente cerca de 40% de médicos com menos de 10 anos de profissão. Em São Paulo, o índice é naturalmente maior, pois formamos mais e recebemos uma quantidade expressiva de graduados em outros estados. O estudo Demografia Médica no Brasil, do Conselho Federal de Medicina, é uma peça indispensável para a compreensão desta “renovação” da medicina. Traz dados que obrigatoriamente nos forçam a refletir sobre como, para quem e para que estamos formando. Especialidades essenciais como Tocoginecologia e Pediatria ainda figuram entre as especialidades mais escolhidas por médicos com menos de 35 anos. Entretanto, não formam quadros suficientes para atender à demanda social. No caso da Obstetrícia, os honorários escorchantes praticados por planos de saúde e governos tornam sua prática condenada ao extermínio. A situação é tão grave que até os especialistas com título (13% deles) estão deixando de exercê–la, conforme recente pesquisa do Datafolha. Na Pediatria, a perspectiva é igualmente sombria. Se compararmos os números de 1999 com os de 2013, houve queda de 55% dos candidatos ao título de especialista. Levando em consideração que neste ínterim houve significativo aumento do número de faculdades de medicina, com consequente crescimento no número de novos médicos, proporcionalmente a queda foi brutal. Se há 15 anos, 15% a 20% dos formandos procuravam a pediatria como especialidade, hoje esse número é inferior a 8%. Mesmo assim, as duas especialidades junto com Cirurgia Geral, Clínica Médica e Anestesiologia somam 44% de nossos especialistas. Os 56% restantes ficam divididos entre as demais 45 áreas, o que demonstra, além do claro desequilíbrio, falta de programas de incentivo para nichos carentes e de grande necessidade social. Outro agravante que põe a formação em xeque é a fragilidade das relações trabalhistas. Boa parte dos nossos jovens médicos opta pelo regime de pessoa jurídica ou por cooperativas de fins duvidosos. A precarização deve–se, não resta dúvida, aos péssimos salários do Sistema Único de Saúde, aos honorários escorchantes dos planos e seguros e ainda a ausência de um plano de carreira adequado em todos os níveis. É mister, assim, uma análise profunda de toda a estrutura de nossas políticas de residência e titulação. Temos muito ainda a avançar para olhar com orgulho o fato de sermos tão jovens e já especialistas. Nota do Editor: João Ladislau Rosa, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
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