Muita gente de boa-fé pensa que foi a Rochedo que inventou a panelinha, mas a instituição existe desde os tempos da caverna, quando os neanderthais planejavam ataques à tribo vizinha. As panelinhas foram se sofisticando com o tempo e ganharam adeptos em todos os reinos da Antiguidade e nos ducados medievais, chegando aos tempos modernos sem fazer distinção de classe, credo ou ideologia. Stalin mandou matar Trotski porque eram de panelinhas diferentes. Lima Barreto teve sua obra ignorada durante longos anos porque assim foi decidido por uma panelinha racista. O samba e o choro são menosprezados pelas gravadoras e pelos programas de auditório porque uma patota poderosa quer o povo cada vez mais estúpido e boçal. Existiam e existem panelinhas na corte do tzar e nas instituições francesas pós-1789, nas grandes corporações transnacionais e nos partidos políticos de hoje, nas rodas intelectuais e nas conversas de botequim do subúrbio, nos conclaves vaticanos e na porta das mesquitas, nas forças armadas e nas redações. A panelinha começa na tenra infância, com a patota da rua, que sai no tapa com a patota da rua mais próxima. E quanto mais próxima a outra patota, maior a rivalidade. No seio da esquerda brasileira, por exemplo, se um indivíduo é partidário de grupos hiperradicais, o objeto principal de sua ira não é o PFL, mas o partido de esquerda que detém a hegemonia política. Pode existir também sem finalidades bélicas, daí não haver nada na lei que proíba a existência de panelinhas. Não existe o crime de formação de patota. No entanto, às vezes, mesmo supostamente voltadas para atuação pacífica, panelinhas intelectuais podem causar tanto mal quanto as patotas de pitboys que espalham o terror nas boates do Rio de Janeiro ou nas superquadras daquela cidade horrorosa do Planalto Central. A intriga, o boato, a fofoca e a SBP (síndrome do bilau pequeno) são fortes motivações dos formadores de panelinhas, mas elas acabam existindo porque um ou mais indivíduos que a elas pertencem precisam desesperadamente se sentir detentores do poder, até mesmo um "pudezinho" rastaqüera serve. É o caso do guarda que fica na porta do INSS e ajuda o vizinho a furar a fila ou de jogadores de certos times de futebol que fazem corpo mole para derrubar um treinador rigoroso e caxias. Como disse antes, as patotas intelectualizadas podem provocar tanto dano quanto as máfias que saem pelas ruas dando porrada nas pessoas mais frágeis. Só que, em vez dos punhos, os integrantes das panelinhas recorrem à desqualificação dos argumentos usados pelos adversários (melhor dizendo, inimigos). Mas isso não basta. O fim que almejam é a desqualificação das pessoas. Sem isso, perdem o poder e seus amigos não ocupam lugares-chave na organização, na empresa, no partido, no quartel, na igreja ou na rodinha do botequim. Para manter o "pudê" e preservar os amiguinhos do peito, vale tudo: xingar a mãe, provocar a demissão, bater na cara, semear intrigas, levar o adversário às lágrimas, jogar o oponente na lona, criticar o estilo literário ou vaiar o inimigo quando este recebe um prêmio jornalístico. A panelinha tem muitas contra-indicações. E a principal delas é que pode viciar. Tem gente que faz parte de patotinha sem saber. Acredita que tornou-se integrante de uma roda de amigos e pensa com o próprio umbigo que ninguém lhe pode tirar aquele ambicionado cargo de chefia porque, afinal de contas, você é o queridinho da firma. Outra contra-indicação grave é que a panela pode se voltar contra você. No momento em que o jogo contra a patota adversária ficou decidido, começa o expurgo intestino e a formação de subpanelinhas. E aí não tem mais jeito. O melhor mesmo é evitar as panelas, procurar abrir todas as portas sem arrombá-las e tocando a campainha. E tomar partido de acordo com a própria consciência. Nota do Editor: José Sergio Rocha é jornalista.
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