Todo aluno que cursa uma Faculdade de Direito aprende que o sistema penitenciário visa à ressocialização do apenado, uma vez que sua estadia seria uma passagem para “uma nova vida”, após o périplo passado atrás das grades. Estuda–se também a passagem que foi do suplício e das penas degradantes que eram a forma de apenar até o século XVIII para o sistema racional e disciplinar intitulado “penitenciária” – adotado hegemonicamente em grande parte dos países, nos dias de hoje, como a modalidade de pena por excelência. Porém nenhum aluno visita uma prisão, não vê o conceito em sua prática e muito menos se defronta com os livros críticos ou com as várias teorias que propõem outras formas de justiça penal. Oculta–se uma realidade atrás de uma verdade soberana – a de que existe ressocialização. Sabemos hoje, não só pelo acúmulo de experiência em observar o sistema penitenciário, pelos estudos já realizados, pelos novos modelos que se vislumbram mais humanistas, como o da Noruega – que se a ressocialização existir não partirá de um modelo como o existente no Brasil – cheio de vícios, violências, corrupção, favorecimentos, falta de investimento e tratamento e mais do que tudo, falta de fraternidade e concepção racional de tratamento. Se hoje no Brasil temos um índice de reincidência de 70%, 600 mil presos, altos índices de tudo o que existe de ruim dentro dos muros das prisões, pergunto: Por que ainda insistir neste modelo? Não seria o caso, de uma ruptura? De mudarmos o paradigma da pena e de seu cumprimento? O modelo norueguês, guardando as devidas proporções pode servir de inspiração, porém jamais adotado em sua forma integral – até porque a realidade e o perfil do crime no Brasil é outro – porém, este modelo traz uma magia e uma crença de que o ser humano pode ser conduzido a se transformar, com investimento, dedicação, amor e acompanhamento – o detento pode vir a ter uma vida digna após o cumprimento da pena – tornando a teoria da ressocialização algo possível. Os críticos a esta ideia dirão: a Noruega possui apenas 4 mil presos – uma população carcerária infinitamente menor que a brasileira. E nesse sentido a que se perguntar: Por que no Brasil chegamos ao número absurdo de 600 mil presos? Temos uma indústria do encarceramento ou uma indústria da condenação à pena de prisão? Qual o perfil do apenado brasileiro? A resposta é fácil: pobre, morador da periferia e subempregado. Gente que era excluída continuará excluída dentro da prisão e quando sair irá manter–se excluída – porque nunca foram incluídos em nada. Esta é a dura realidade do sistema que reflete o mundo extramuros. Quem nunca foi incluído jamais se sentirá como tal. Repensar o modelo de justiça penal no Brasil atual é uma necessidade premente. Juristas, especialistas, sociológicos devem repensar formas em que a Justiça possa ser uma realidade, a pena algo regenerativo e principalmente a sociedade possa vislumbrar uma mudança concreta rumo a valores humanistas. Há que se buscar uma utopia. Nota do Editor: Regina Célia Pedroso é professora de Sociologia e Antropologia Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora de vários livros na área de Direitos Humanos, Justiça Penal e Segurança Pública.
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