Nos embargos infringentes da Ação Penal 470 (“Mensalão”), o ministro Joaquim Barbosa admitiu ter manobrado excessivamente a dosimetria da pena com o fim de evitar a prescrição. Decidiu, então, contra o direito fundamental dos réus. Agiu em nome da justiça e em detrimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Foi criticado, com razão, porque daquele Tribunal se espera que decida segundo a Constituição da República, norma suprema da qual é o guardião. Naquela circunstância, o ministro teria decidido de modo substancialista, perseguindo talvez a ética constitucional, único modo de alcançar a punição de quem abusou da pusilanimidade da legislação penal, crendo na impunidade. Sabia, o ministro, que a formalidade da norma penal, se aplicada, seria um indulto para condutas criminosas. Porém, sobretudo em matéria penal, não cabe ao juiz perseguir a justiça ao arrepio da lei constitucionalmente adequada, mas dar às partes a segurança prometida pela própria lei. Ainda que os efeitos de sua aplicação nos cause engulho. Eis que, em nova decisão, agora na Ação Penal 536 (“Mensalão Tucano”, a envolver o agora, ex-deputado Eduardo Azeredo), Joaquim Barbosa exibiu notável coerência. A questão de ordem submetida ao STF era formalmente banal: se a renúncia de Azeredo ao seu mandato lhe retirava o direito ao foro por prerrogativa de função. A resposta positiva implicaria na remessa dos autos para a Justiça estadual mineira. A decisão respeitou a imoral tradição da Corte, a qual considera que a legitimidade da renúncia ao mandato tem o poder de deslocar a competência. Assim, o STF concedeu a Azeredo o direito de escolher o foro de seu julgamento, o Poder Judiciário mineiro, instância que decerto assegurará a prescrição penal. Joaquim Barbosa foi voto vencido. Está claro que, independentemente da legalidade da decisão, o STF se submeteu a uma manobra ardilosa do réu, que zombou da Corte e da sociedade, especialmente a mineira, diretamente lesada por seus atos. De Joaquim pode-se dizer que decidiu coerentemente: a legalidade e jurisprudência, quando colidirem com a eticidade constitucional, devem ser desconsideradas em nome do ideal constitucional. Orientou-se, assim, do mesmo modo ativista demonstrado na AP 470. Para o que apontam as decisões de Joaquim Barbosa? Para um ativismo aventureiro e justiceiro, dirão alguns, com certa razão. Mas, antes, revelam a angústia do julgador que se vê preso a um sistema legislativo produtor de normas que privilegiam as artimanhas promotoras da impunidade. E contra a vontade de legisladores compromissados com imorais e antiéticos mecanismos de impunidade, instituídos segundo a formalidade constitucional, pouco poderá o Judiciário fazer sem ofender a própria Constituição. Nota do Editor: Caleb Salomão (www.calebsalomao.com.br) vive em Vitória, no Espírito Santo. É advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Publicou no Brasil a obra Artigos para Amar, e escreveu outros livros também na área do direito, como o recente Constituição 1988 – 25 anos de valores e transições. Ainda este ano, lançará também os livros Em Busca da Legitimidade e (Des) Casando – Reflexões sobre as emoções e o direito nas separações.
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