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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
28/04/2014 - 09h03
Carro novo
 
 

Uma das coisas que mais fascinam os homens são os carros e esta paixão entrou cedo na vida de Mateus. Quando ainda criança acordava cedo nas manhãs de domingo para assistir as corridas do Ayrton Senna pela Fórmula 1 e aquele dia 21 acrescentaria mais uma página na sua história de relacionamentos com os “possantes”, quando eufórico entrou em casa e anunciou para a família:

– Acabei de fechar negócio! Estou de carro novo!

– Comprou um carro zero?, perguntou um tio.

– Não! Mas, pulei seis anos. Comprei um Corsa 98, quatro portas... Vou buscá-lo daqui a pouco!, respondeu, sem sentir a ponta de ironia na questão.

Para concluir a negociação, Mateus deu o “velho companheiro” como chamava um Voyage 92 a álcool, que estava sob sua propriedade há dois anos, e financiou a diferença de valores entre os veículos em 24 prestações de parcelas fixas.

– Vou tomar um banho e buscá-lo. Da revenda, irei direto para o show na praça para festejar. Hoje é dia de comemorar a nova conquista!, comentou entusiasmado. 

A data favorecia a comemoração de Mateus, pois um show musical em uma praça aconteceria naquela noite para comemorar o aniversário do município e tinha a entrada gratuita. Depois do banho, Mateus admirou o seu Voyage pela última vez. Tirou uma foto e postou no Facebook com a mensagem: “Obrigado por tudo velho companheiro!”. Saiu de casa rumo à revenda, porém, em meio ao trajeto, pegou dois amigos para levá-los até a praça e que teriam o privilégio de serem os primeiros a embarcarem e viajarem em seu carro novo. Uma viagem sem custos, afinal, eram seus convidados e estavam “duros” de dinheiro. Ainda passou em uma agência bancária. Lá, mesmo sabendo que seria difícil e ficaria “enforcado” até o final do mês sem dinheiro, sacou os últimos R$ 50 da sua conta. “F#d@-se! Hoje, eu mereço comemorar a minha conquista com uma cervejada!”, pensou. Como uma forma de mentir para si mesmo, sacou o dinheiro em um caixa eletrônico que tinha notas “pequenas”, ficando com três notas de R$ 10, duas de R$ 5 e cinco de R$ 2. “Assim, com mais notas, parece que tenho mais dinheiro!”, iludiu-se.

Já na revenda, como havia previamente acertado tudo com o vendedor, inclusive, tinha “arrancado” dele na negociação os custos com a documentação e que o tanque de combustível do Corsa viesse cheio, Mateus pode formalizar a aquisição e encher a boca pela primeira vez para dizer:

– Esse é o meu carro novo!

Cheio de orgulho tirou uma foto do carro e postou no Facebook: “Meu brinquedo novo!”. Ele e os dois amigos embarcaram no “possante” e em um ato de embriaguês emocional, antes de dar a partida no motor, Mateus comentou:

– Ainda tem cheirinho de carro zero!

Os dois amigos apenas se olharam. Da revenda de automóveis até o local do show, o trio percorreu cerca de 4 km no Corsa 98, em sua primeira viagem com o novo dono. Já na praça, Mateus estacionou o carro e precavido com a segurança, alertou os amigos:

– Não se esqueçam de baixar os pinos das portas! Deus me livre se roubam o meu carro novo!

O trio subiu manualmente os vidros, baixou os pinos de travamento e desembarcou do carro rapidamente discutindo se o Marcelo Grohe era ou não um bom goleiro para o time do Grêmio. Em sincronia, fecharam as portas. Subitamente, um breve silêncio os “rodeou”. Mateus olhou para os dois amigos, para a porta do carro, passou as mãos pelos bolsos das calças e da camisa e, em um tom desespero, proferiu, colocando as mãos na cabeça:

– Tranquei o carro com a chave dentro. Não acredito!

Primeiramente, os amigos caíram na gargalhada, mas depois tiveram que acudi-lo devido à inconformidade pelo ocorrido. Passados alguns minutos, mais calmo, Mateus lembrou-se que tinha o número do celular de um chaveiro e, por sorte, ele morava próximo à praça. Em quinze minutos, o profissional estava no local. Nos três minutos e cinco segundos que o chaveiro levou para abrir o carro e “resgatar” a chave da ignição, Mateus contou-lhe, em uma velocidade de narração de dar inveja aos narradores de futebol no rádio, a história do carro novo, como foi a negociação, a ideia da comemoração com a cervejada, que só tinha R$ 50 e etc. Finalizado o serviço, com a chave do carro em mãos, Mateus questionou o chaveiro, em um tom humorado:

– Quanto saiu o serviço, meu chefe?

O chaveiro balançou levemente a cabeça, como se isso ajudasse na contabilidade, olhou para o carro, voltou os olhos para Mateus e lascou:

– Dá aí... Dá aí uns R$ 50... Isso que é pra ti!

A expressão facial de Mateus fechou-se instantaneamente ao ouvir o preço. “Não acredito. Foi-se o meu dinheiro”, concluiu em pensamentos. Lentamente, puxou a carteira do bolso de trás da calça, olhou para o chaveiro com olhos de piedade, como os do gato de bodas no filme Shrek, tirou todo o dinheiro, deixando claro que a carteira ficara vazia, e entregou ao chaveiro, que segurou pensativo as notas com a mão esquerda por alguns instantes. Então, sabedor que Mateus só tinha R$ 50 e o valor do seu serviço representava o fim da comemoração pelo carro novo, com ar de compaixão, indagou:

– Qual o preço da cerveja em latão aqui?

Primeiramente, com os dedos da mão direita, Mateus acenou o valor de R$ 4. Depois apontou para um cartaz de um dos trailers de comercialização de bebidas que estava próximo e estampava o preço da cerveja e do refrigerante. O chaveiro virou-se e visualizou os preços de R$ 4 e R$ 2, respectivamente. Pensativo, olhando o dinheiro, ele destacou quatro notas de R$ 2 do montante e as segurou na mão. A ação encheu Mateus de esperança e gerou uma rápida suposição. “Graças a Deus, o chaveiro é um cara piedoso. Ele vai reconsiderar e cobrar R$ 42 pelo serviço. Com o troco vai dar duas. Melhor tomar duas cervejas do que nenhuma!”, pensou.

Depois da breve reflexão, o chaveiro voltou o olhar para Mateus, que já se preparava para abraçá-lo euforicamente por causa dos R$ 8. Foi então que, mostrando consciência, ele lascou a sentença alcançando uma nota para desespero de Mateus:

– Tu não podes beber, rapaz! Estás dirigindo. Toma R$ 2 para um refrigerante...


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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