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Opinião
02/05/2014 - 07h01
García Márquez e as ambiguidades políticas da AL
Rodrigo Franklin de Sousa
 

Passada uma semana da perda de Gabriel García Márquez, uma das mais icônicas e significativas figuras do universo cultural latino-americano, surge um momento para parar e refletir sobre como, em sua obra e vida, García Márquez incorporou algumas das ambiguidades que marcam o nosso continente.

García Márquez sempre foi um notório amante desse continente. Não com um amor cego, mas com um amor capaz de enxergar a América Latina como ela é, em todas as suas matizes e contradições: em sua glória e suas limitações, suas virtudes e seus vícios, sua alegria e sua profunda melancolia e tristeza, seu amor e sua violência. Esse amor era não apenas realista, mas também mágico. Ao reimaginar as histórias de seus parentes, amigos, e de figuras reais ou fictícias do seu mundo García Márquez não apenas traça um retrato da vida nas pequenas cidades latino-americanas mas lhes imprime qualidades mágicas que ressoam com a experiência humana em geral. E foi isso que permitiu a criação de uma literatura de repercussão universal.

Mas, para além da literatura, García Márquez incorporou a ambiguidade da América Latina em sua própria vida. Isso fica evidente, principalmente quando pensamos sobre as formas de seu envolvimento com o mundo da política.

Tomemos como exemplo o conhecido caso Padilla. Em 1968, o escritor cubano Heberto Padilla publicou o livro de poemas Fuera del Juego, que lhe rendeu o primeiro lugar no Prêmio Nacional de Poesia de Cuba e a prisão, em 1971, por suas ideias contrarrevolucionárias. Encarcerado e torturado por 38 dias, Padilla pronunciou um discurso na ocasião de sua libertação em que publicamente se retratou com o regime a celebrou sem ambiguidades as glórias da revolução. O episódio deixou profundas marcas emocionais no escritor, que faleceu nos EUA, em 2000.

O caso também se tornou notório porque a libertação de Padilla foi em parte resultado de uma carta de denúncia e repúdio assinada por cerca de 60 artistas e escritores, incluindo referências da literatura latino-americana, como Mario Vargas Llosa e Julio Cortázar, e intelectuais internacionais de peso, como Marguerite Duras e Jean-Paul Sartre.

A notória recusa de García Márquez a assinar o manifesto criaria uma mancha indelével em sua reputação. Principalmente porque foi seguida de uma progressiva e firme aproximação entre o escritor e Fidel Castro. Os dois momentos foram naturalmente associados na mente de muitos críticos.

A amizade entre García Márquez e Fidel Castro se estendeu ao longo dos anos. O escritor recebeu inúmeros privilégios do Governo Cubano. Em pronunciamentos públicos muitas vezes ele se mostrou nuançado (alguns diriam ambíguo) em relação aos aspectos positivos e negativos do regime de Fidel. Para alguns, isso representava uma capacidade diplomática que permitiria a García Márquez uma participação e influência reais nos processos políticos em Cuba (ele teria inclusive sido responsável pela concessão do visto que permitiu que Padilla imigrasse para os EUA em 1980).

Para outros, representaria a simples capitulação com o poder. Apenas mais uma instância da fixação latino-americana por títulos, pompas, honrarias e cultos à personalidade que tornam esse continente um solo tão fértil ao populismo e às ditaduras. Muito já se escreveu sobre as complexas relações de García Márquez com o poder. E ainda há muito a ser dito. Entender essas relações nos ajuda a ver de onde vem a cor e o tom que fazem a América Latina ser o que é hoje.


Nota do Editor: Rodrigo Franklin de Sousa é Doutor em Letras pela University of Cambridge (Reino Unido – 2008). Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande – antiga UFPB – Campus II (2000), e formação em Teologia (M.Div.) pelo Covenant Theological Seminary (EUA – 2004). Atualmente é professor e coordenador Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião no Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É Colaborador Externo no programa de pós-graduação em Teologia (mestrado e doutorado) da North-West University (África do Sul).

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