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SEÇÃO
Crônicas
03/05/2014 - 10h00
Tempo, letras, escritos
Rangel Alves da Costa
 

Na verdade, bem que eu gostaria de escrever nas areias da praia, como fez um dia o jesuíta José de Anchieta. Mesmo que as letras tivessem tempo contado segundo a maré, ainda assim me dava por satisfeito em ter meus escritos guardados na biblioteca das águas.

Quando criança rabiscava no chão, lembro–me muito bem. Molhava o dedo na boca e garatujava qualquer coisa que incluísse letras incompreensíveis, sempre acompanhadas de um sol ou uma lua. Sol sempre cheio, espalhando raios; e lua minguante, sem estrelas ao redor. Eu já era triste naqueles idos.

Depois, já meninote, traquina, passei a escrever pelos muros, mas principalmente em tronco de árvore. Primeiro riscava um coração e então escrevia o meu nome e o da ilusão amorosa ao meio. Cada árvore derrubada e lá se ia minha promessa amorosa. Em meio a devaneios e suspiros apaixonados diante da linda flor, também andei rabiscando palavras no ar. Deixei de fazer isso depois que pedi a uma menina para ler o poema escrito lá em cima e ela respondeu que a nuvem mais parecia um urubu. Entristeci de vez.

Gostava mesmo era de escrever versinhos em pequeninos papéis e depois jogar bilhetinhos pelas janelas, ou deixá–los debaixo ou dentro de cadernos escolares. Logicamente que não assinava, mas depois perguntava se a menina havia lido. Por isso mesmo já recebi muito bilhetinho na cara, lançados raivosamente. Mas de vez em quando um sorriso e uma esperança.

Os escritos aumentaram muito da vida estudantil em diante. Os cadernos de textos e lições possuíam mais escritos descompromissados que mesmo conteúdo escolar. Mas depois resolvi ter um caderno somente para poesias. Mais tarde outro para pequenos textos. Até que fui apresentado a uma velha máquina de datilografia.

Na verdade, eu sempre achava interessante meu pai lançando os dedos naquelas teclas e aquele som tão conhecido se espalhando pela casa. Como ele – ainda que escrevesse muito e todos os dias – não possuía rapidez na datilografia, pois quase catando as letras, foi também assim que comecei a catar letras naquela tecnologia de então.

Entretanto, por mais que facilitasse a escrita, eu achava um ato de frieza expressar sentimentos, contar estórias ou histórias, inventar coisas interessantes em teclas que apenas se repetiam no som. Um aperto e o mesmo som, a mesma busca pelas letras, tudo se repetindo. E problema maior quando errava e tinha de esperar o corretivo secar.

Dei uma pausa na máquina e retornei à escrita manual. Minha letra sempre fez fama pelos quadros da vida e diante daqueles que lançavam os olhos sobre meus manuscritos. E talvez por isso mesmo resolvi que dali em diante escreveria tudo manualmente, poemas, contos, quaisquer tipos de textos. E o meu primeiro romance, “Ilha das Flores”, foi todo escrito assim. Mais de duzentas páginas letra por letra, ponto a ponto, vírgula a vírgula.

Ainda guardo comigo todos aqueles escritos, inclusive os originais daquele primeiro romance. Contudo, a máquina de escrever retomou seu lugar na minha mesinha quando tive que escolher de diversos cadernos os poemas que fariam parte do meu primeiro livro a ser publicado. Assim, “Todo inverso” nasceu manuscrito, foi reescrito na máquina e depois foi para a gráfica.

Continuo escrevendo manualmente, vez que sempre faço anotações que somam páginas e mais páginas. E creio que todo poema deveria nascer na dança da pena, artesanalmente, para depois ganhar forma na máquina. Não mais a máquina de datilografia, mas o computador, ainda que muita gente prefira continuar escrevendo nos moldes antigos.

Mas o computador é também inimigo voraz, traiçoeiro. Eis que vez em quando se torna mais problema que solução. A velha Remington raramente dava defeito, mas o computador parece adorar emperrar quando a gente mais precisa. Por ter esquecido de salvar, já perdi textos inteiros somente porque o bicho achou de dar piripaqui repentino, fechar de vez.

Quando isso ocorre fico pensando se fosse possível escrever na máquina de datilografia e depois postar tudo através dela mesmo. As letras seriam mais rudes, porém o formato muito mais autêntico e o escrito mais verdadeiro.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel–sertao.blogspot.com.br).

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