Vi o anúncio na TV e a repercussão nos jornais da negativa em renovar o acordo com o FMI. Por um momento parecia que tínhamos um governo de verdade. Parecia mesmo que uma nova era estava começando, e que a esperança vencera o medo de fazer política.
Por um momento parecia que tínhamos um governo de verdade. É com esperança (aquela que vence o medo) que escrevi estas linhas. É que vi o anúncio, segunda-feira (28) na TV, e a repercussão de terça (29) nos jornais, da negativa em renovar o acordo com o FMI. A decisão, afinal tomada, foi recebida de modo muito diferenciado. Havia desencanto da parte de uns, bem à esquerda, alegando que o acordo não era mais necessário porque o governo petista havia introjetado completamente as diretivas do FMI, tornando-o obsoleto. Havia ceticismo de outros, dizendo que fazia um ano que o acordo já não vigia mais, ainda que formalmente mantido. Em terceiros, havia uma esperança cautelosa, afirmando que o país retomava o caminho de sua soberania, embora agradecessem o FMI pela ajuda prestada em momento crítico, a partir de 1998. Ainda quartos manifestavam apreensão, pois vêem no acordo uma garantia contra populismos e retomadas de políticas descontroladas de investimento. E fechando o espectro, bem à direita, havia os que, como os lá bem à esquerda, achavam que o acordo de fato não era mais necessário, porque o governo petista tinha de fato incorporado as lições do FMI; só que estes, ao invés daqueles, saudavam o presunto acontecido como largamente positivo. O mais importante, porém, estava adiante do conteúdo das notícias e comentários, embora estes fossem importantes. Vejam só: tais comentários políticos, pró, contra , ou muito antes pelo contrário, invadiam páginas e páginas dos cadernos econômicos, além de tomarem editoriais e páginas políticas alentadas. Ou seja: havia política no ar, POLÍTICA, assim em capitulares. O governo fazia política, tomara uma decisão política, ainda que com cautelas, atrasos etc. O governo saíra afinal da coluna social (quem vai se casar com quem na Esplanada, no Congresso, quem vai ser convidado para o baile ou defenestrado) e das páginas policiais (o que fazer como o caso "Jucá no Ministério da Previdência", logo a Previdência). Por alguns momentos, tornou-se completamente secundário ler as enfadonhas matérias sobre que ministro a imprensa vai demitir esta semana, se o sempre lembrado Olívio Dutra, se o bola da vez, Humberto Costa, e assim por diante. De quebra, dava ainda para dar risadas lendo os antigo arautos do neo-liberalismo agora criticando o governo por ter aderido demais à pauta do FMI. Parecia mesmo que uma nova era estava começando, e que a esperança vencera o medo de fazer política. Mas logo, ao virar a página, deparei com o rosto do deputado Severino anunciando que a MP 232 iria à votação hoje mesmo, e com as ameaças da "base aliada" (com tais "aliados" acho que até o Churchill perdia a segunda guerra). Enfim, fora só um sonho. Nota do Editor: Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.
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