A suposta união dos black blocs com o PCC, para causar o caos na Copa do Mundo, é uma preocupante afronta ao estado democrático. A fala austera do ministro da Justiça – de que o Estado está preparado para enfrentar os distúrbios e garantir a ordem – não é a garantia de que isso efetivamente ocorra. A simples existência e crescimento do PCC, Comando Vermelho e outras organizações ilegais ou criminosas é o indicativo da fraqueza ou falência do Estado. Tais grupos só se organizaram porque encontraram o vácuo estatal. Se os encarcerados tivessem recebido o tratamento ressociativo que a lei lhes faculta e o Estado mantido o efetivo controle do sistema prisional, não teria o caldo de cultura necessário para a constituição do poder paralelo, hoje presente tanto nas prisões quando fora delas. Da mesma forma, as periferias e os pontos críticos das cidades não seriam problemáticos se os governos tivessem prestado os serviços públicos de sua responsabilidade. Negligente em sua prestação de serviços, o poder público faz a orfandade da população. Saúde, educação, trabalho, transporte, saneamento, moradia, segurança pública e outros itens só existem com boa qualidade na propaganda oficial e no desacreditado discurso dos políticos, especialmente quando no poder ou disputando as eleições. O divórcio do Estado em relação ao povo é flagrante e torna a vida cada dia mais perigosa. As ações legítimas e necessárias dos grupos que pressionam por melhorias acabam encampadas por radicais e oportunistas de todas as espécies e as bandeiras reivindicatórias restam descaracterizadas. As autoridades pouco ou nada fazem. Quando muito, com cinismo e falta de comprometimento com as causas, mandam a polícia para conter o tumulto. Se não fossem omissas, agiriam antes de se chegar a esse extremo. Quando a situação já é de distúrbio e a polícia é obrigada a agir, seus integrantes representam o Estado e, invariavelmente, são provocados e acusados de cometer excessos. Paradoxalmente, o policial – que também é uma vítima do descaso estatal e profissionalmente mal remunerado – se vê colocado como adversário dos manifestantes e injustamente perseguido, podendo ser processado, condenado e perder o emprego. O ministro da Justiça e os governos estaduais prometem ação enérgica e controle da situação durante a Copa. Espera-se que não estejam pensando simplesmente em mandar a tropa de choque das Forças Armadas enfrentar os manifestantes, com a possibilidade de criar novos problemas e até a reação popular, pois são forças preparadas e armadas para a guerra e não para distúrbios urbanos. E que não se esqueçam que, depois da Copa, o Brasil continuará existindo, e os problemas também... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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