A especialidade do meu sogro, LJF, era derrubar prefeito. Articulista de primeira linha, sabia amarrar como ninguém os diversos flancos de oposição. Depois preparava campanhas impecáveis, que resultavam em estrondosas vitórias. Mas tinha o mau costume de acreditar nas pessoas, nas ideologias, nos ideais de grupo, enfim, essas coisas que se dissolvem no instante seguinte à apuração dos votos. Essa fé no ser humano proporcionou a LJF inúmeras decepções e, finalmente, a falência financeira.

Além de exímio político, LJF era um excelente cronista. Atento, crítico, um terrível analista das patranhas ocorridas no paço e na câmara municipal. Digo "era" porque LJF jogou o pano, após três décadas de lutas contra os ladrões, os corruptos e os covardes que costumam infestar certas instituições públicas.

Num de seus artigos mais polêmicos ele mostrou o devido lócus dos vereadores, contrariando a tradição executiva que essas autoridades adquiriram ao longo das últimas décadas. Os vereadores querem, mesmo, é ser executivo, dizia LJF. E a maioria deles passa seu mandato fazendo-se de pequenos prefeitos. São "fazedores", executores, embora sua função primordial seja criar leis e fiscalizar o executivo.

Esse desvio de função do vereador é responsável pela grande maioria das intrigas políticas, e dá margem a um sem-número de circunstâncias favoráveis aos singelos "acertos", que estão na raiz de toda a pequena e a grande corrupção.

O vereador quer ser executivo para mostrar trabalho aos eleitores. Por isso fica à mercê do prefeito. Para garantir os votos da próxima eleição, precisa arrumar a estrada, construir posto de saúde, instalar telefone público. Mas só o fará associado ao verdadeiro executor da obra.

Quando o executivo começa distribuir propinas, a fazer licitações com empresas fantasmas, a superfaturar... onde está o herói do povo, o guerreiro que mostrava o punho em cima do palanque? Como poderá fiscalizar aquele a quem deve favores?

Aliás, os favores começam bem cedo. Para compor uma coligação forte, o candidato a prefeito precisa juntar uma porção razoável de candidatos a vereador. Mas eles só o apóiam se ganharem santinhos, combustível, money, e, no caso de prefeitos candidatos a reeleição, os prováveis futuros vereadores também pedem toda a parafernália disponível na prefeitura, comumente denominada "máquina eleitoral".

Essa servidão legislativa é um desastre nacional, talvez a principal responsável pela continuidade da má distribuição de renda no país. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, mas a arrecadação é repassada aos municípios, porém só chegam migalhas às mãos dos pobres e miseráveis. Onde vai parar o dinheiro? Os executivos do legislativo nos devem essa resposta, mas não no-la podem dar. Gastaram demasiado para agora desperdiçarem a chance de recuperar multiplicados os custos da campanha. Ainda que esse retorno venha do desvio.

É realmente uma pena que nossa sociedade aceite esses disparates. Os legisladores em geral são o 2º escalão do executivo, apesar de toda a sua empáfia, toda a pose de quando apanham um microfone para o auto-elogio semanal. Não trabalham no paralelo, como deveriam, mas numa simbiose doentia, um verdadeiro câncer que se espalhou por todo o território brasileiro.

Não é de se estranhar essas atitudes, considerando que os homens são animais, e os animais em luta pelo alimento "fazem qualquer negócio". Mas é uma pena, se considerarmos a grande chance que estamos jogando fora, a grande chance de nos tornarmos gente de verdade. Seres humanos! Capazes de pensar na humanidade como um corpo que sofre, que geme, em sua exaustiva e dolorosa evolução!

Quem um dia ouviu um vereador raciocinar nesses termos? Daria hospício na certa!