A rebelião - mais uma no sistema carcerário paulista - e fuga de dois presos da penitenciária de Casa Branca, no final de março, suscitam oportuna reflexão sobre alguns temas cruciais na área da segurança pública. A presença crescente de presídios em municípios do Interior, como nessa pacata cidade de 27 mil habitantes, localizada na Região Administrativa de Campinas, exige contrapartida do Governo do Estado. Afinal, é sua responsabilidade, ao construir compulsoriamente um presídio, garantir que a obra não interfira na rotina ou ameace a integridade e a paz das comunidades. Entretanto, nem sempre se observa esse cuidado por parte do governo paulista, cujas principais e mais visíveis obras, em várias regiões, como a de Presidente Prudente e Marília, por exemplo, têm sido exatamente presídios destinados à reclusão de detentos de alta periculosidade. Além de não estabelecer providências eficazes para evitar rebeliões e fugas, a administração estadual enfraquece a Polícia Militar das cidades do Interior, adotando insólita medida: a transferência de pistolas automáticas para os policiais da Capital e Grande São Paulo. Assim, o velho "38" está voltando ao coldre da PM interiorana, como se o crime organizado, os traficantes e assaltantes de banco que atuam em todo o Estado não estivessem muito bem armados, com pistolas, fuzis e metralhadoras. Tal distorção revela profundo desconhecimento do perfil da criminalidade no Estado de São Paulo. Trata-se de ignorar as próprias estatísticas da Secretaria da Segurança, que mostram com clareza os problemas nesse campo hoje enfrentados em numerosas cidades e regiões. Parece, até, que o governo paulista desenvolve estranha forma de cumprir o Estatuto do Desarmamento, ao retirar armas eficientes dos policiais do Interior. Ironias à parte, a verdade é que não se pode menosprezar a segurança da população. A polícia, em qualquer localidade, precisa estar devidamente equipada, treinada e armada, para que a presença do Estado sobreponha-se à desordem e à anarquia do crime e garanta o direito à segurança dos cidadãos. Estudo recentemente apresentado pela ong Instituto São Paulo Contra a Violência e o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Violência da Universidade de São Paulo explicita números de imensa gravidade: na década de 90, as armas de fogo foram responsáveis por 265.975 óbitos no Brasil. Deste total, 82% foram homicídios; 5%, suicídios; e 2%, mortes acidentais. Onze por cento não tiveram a intencionalidade determinada. Há um dado do estudo que demonstra como pode estar equivocado o governo paulista ao reduzir a qualidade do armamento de policiais do Interior: apenas 0,1% das mortes provocadas por armas de fogo é atribuído à intervenção legal, ou seja, à ação da polícia. Este número derruba teses de violência e despreparo dos policiais, considerando que, hoje, eles protagonizam verdadeiras guerras urbanas contra ferozes quadrilhas, muito bem armadas e equipadas, do crime organizado, do tráfico, dos seqüestros, do roubo de cargas e dos assaltos a bancos. Fica muito claro que armamento a serviço da sociedade, portado pela polícia, é ferramenta essencial contra o crime. Em contrapartida, as armas pesadas em posse dos criminosos, cujo ingresso e comercialização ilegal em todo o País o Estatuto do Desarmamento não conseguiu extinguir, são grave ameaça à segurança e à vida dos cidadãos. Assim, também é importante refletir sobre o quanto é prudente ou imprudente realizar já este ano o referendo público ao Estatuto do Desarmamento. Não seria mais lúcido aguardar tempo suficiente para testar de maneira efetiva a eficácia da lei? Todas essas questões evidenciam que segurança pública não é tema a ser discutido à luz de paixões políticas e ideologias, mas sim sob o paradigma da realidade e da eficiência. Não basta cobrar impostos cada vez maiores da sociedade. É preciso devolver-lhe o dinheiro recolhido na forma de serviços estatais eficientes, a começar pela garantia à vida e ao inalienável direito de ir e vir. Nota do Editor: Luiz Antônio Fleury Filho, ex-governador de São Paulo, é deputado federal (PTB/SP).
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