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SEÇÃO
Crônicas
01/08/2014 - 15h00
Mande uma carta pra mim
Rangel Alves da Costa
 

Outro dia ouvi em algum lugar que está cada vez mais difícil de encontrar aquele velho e conhecido – ao menos para os de minha geração – papel de carta. Lamentável acaso tal ameaça possa se comprovar. O papel de carta simboliza a saudade, o amor, o querer bem, a amizade, a ligação familiar e fraternal.

Era possível adquirir o caderno inteiro ou folhas avulsas. Parecido com papel pautado, só que menor e mais fino, causava palpitação ao ser colocado adiante, em cima da mesinha para a escrita. Sabia a quem seria endereçada, quais assuntos seriam tratados, mas não era tão fácil como se imagina. Enveredar na intimidade de uma carta é tarefa das mais angustiantes, principalmente quando nunca se sabe ao certo como começar.

Como é doce recordar: “Oi, tudo bem?...” “Essas mal traçadas linhas é só pra dizer...”. “Como vai você? Não sei como está agora, mas eu estou com muita saudade...”. “Que essa cartinha lhe encontre com saúde e paz. Não olhe pra letra torta nem pra palavra errada. Sabe que só escrevo assim mesmo, ainda mais no nervosismo que estou agora...”. “Em primeiro lugar, saiba que te amo muito, muito, muito...”.

O final de qualquer cartinha é sempre mais entristecido que seu início. E assim por que já chega molhado de lágrimas, sujo de batom, estremecido pela mão insegura que não consegue conter a aflição. Mas de qualquer modo, quanto mais simples for a carta, quanto menos despojada for mais estará recheada de verdades, tão bonitas e tão dolorosas. Ao final, o adeus sempre vai acompanhado de saudade. E o encontro marcado para muito breve.

Eu já escrevi muitas cartas, também muitas já me foram entregues. Cartinhas simples, de uma folha só, ou verdadeiros jornais de quatro, cinco folhas, frente e verso. As cartas geralmente causam consequências dolorosas. Ao escrever, ao debruçar os sentimentos no papel em branco, de um lado a pessoa sofre ou se alegra com cada frase escrita. E do outro, de quem a recebe, o espanto inicial para depois se deixar envolver a cada letra. Dependendo de quem a enviou e do assunto tratado, talvez o restante do dia não seja suficiente para tantas releituras.

A cada leitura de uma carta e os olhos logo testemunham além do escrito. Brilham, se abrem, se fecham, anuviam, se enchem de lágrimas, se derramam pela face. E o rosto enrubesce, sorri, entristece, e tudo no passo das mãos sempre trêmulas. E quantas vezes beijos e mais beijos antes mesmo de toda leitura, afagos e carinhos antes mesmo da saudade e do até breve final. E uma ligeira transformação é rapidamente avistada. E assim porque o amor, a saudade e a distância de quem tanto se ama são despertados pelas palavras e provocam as mais angustiantes sensações.

Para quem não sabe ou nunca se deu ao prazer de escrever ao menos uma cartinha, certamente não conhece esse prazer único na vida. Diferentemente da frieza de telefonemas, de e-mails, de mensagens virtuais, de toda essa parafernália tecnológica de comunicação, a carta possui espírito próprio e quase humano. Ela traz consigo a palavra sem disfarce, chega com calor, com sentimentos, quase como um sussurro ao ouvido. Na carta avista-se a sensação do outro ao escrever, a sua alegria, a sua dor, a sua lágrima. E o lábio tão verdadeiro no beijo dado em cada folha. E também o perfume da pessoa amada.

Por isso não me envie mensagem via computador, internet, Facebook, Twitter, Whatsapp ou qualquer outro meio virtual. Além de eu não saber sequer responder uma mensagem recebida, juro que prefiro a frieza de não responder a ler ou escrever algo sem o calor do sentimento. Então faça o seguinte: mande uma carta pra mim.

Sim, mande uma carta pra mim. Não há sensação mais esperançosa que o carteiro chegar e chamar pelo nome com aquele envelope também tão usado no passado. Vou ler sua carta assim que chegar e certamente outras tantas vezes no percurso da vida. Eis que as cartas sublimes nos acompanham sempre. E também responderei. Na cartinha direi tudo, menos adeus.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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