16/08/2025  10h55
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Crônicas
09/08/2014 - 10h15
As sandálias do meu pai
Damião Ramos Cavalcanti
 

Quando criança, observei o costume do meu pai Inácio pedir as sandálias a um dos seus filhos. Dos oito, considerado o mais velho, ele gritava meu nome, quando chegava do trabalho, e eu entendia: “Meus chinelos!” Certamente os encontrava mais rapidamente, daí preferir, com frequência, designar-me a tal tarefa a pedi-la aos irmãos menores. Observei também que isso acontecia nas casas dos meus amigos, concluindo disso forma do pai se comunicar com o filho e que os pais sempre não sabem onde deixam os chinelos.

Certo dia, disseram-lhe que eu tomava banho na enchente do Rio Paraíba. Mesmo desconhecendo tamanho enredo, desconfiei de meu pai, chegando silencioso, sem pedir suas sandálias. E, de repente, deu-me boas chineladas. A partir dessa surra, passei a não só achar tais chinelos, mas também a escondê-los... Nenhuma mágoa. Naquele tempo, tais correções significavam aos filhos o perigo do rio cheio, feroz, carregando árvores, galinhas, bodes, cavalos e bois mortos; e meu pai admoestando que eu poderia ser um desses bichos, boiando em Pilar ou Itabaiana. Mas a vontade de pecar nunca desaparece: ficava triste, na ribanceira; alegre, quando via sandália flutuando nas águas encardidas da cheia; também ao saber que, depois do desejável mergulho, o cinturão substituiria o chinelo... Respeitando a evolução da pedagogia, isso ensinava à criança que o erro é passível de pena, do ardor no couro. Ora, não havia internet; hoje, a pena é deixar a criança sem celular, valorizando-se o instrumento da não comunicação na família...

Também pai, habituei-me a guardar num só lugar meus chinelos; sobretudo porque filhos não procuram mais as sandálias do pai; ao contrário, filhos pequenos, netos, netas, ao brincar de gente grande, perdem esses calçados debaixo dos móveis, no jardim, no quintal ou na gaveta do bureau... Ignoram qualquer reclamação e que tais sandálias, além de calçarem os pés, eram respeitadas como palmatória. Hoje, sinto falta das sandálias do meu pai. Às vezes sonho que A saudade anda sozinha / Com as sandálias do meu pai... / Sonâmbulas, tão sozinhas / Acompanhadas apenas da solidão. / Meu pai caminha em nuvens, / Descalço, pisa a frieza, / Vive ele noutro mundo, / Paternidade indissolúvel, sua ausência, minha tristeza. / Da família, a semente / Deste filho, o fecundo / Deste filho que se lembra / Do distante, neste mundo, aos vivas ou à dor / Sua vida, seu amor.

Procuro e não encontro as sandálias do meu pai...

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.