Pesquisa divulgada em fevereiro de 2005 dá como certa a reeleição de Lula em 2006. Apesar da mediocridade da administração e das trapalhadas petistas, com três ou quatro ministros competentes, o governo vem conseguindo manter as aparências na economia. Evitando o desastre inicialmente previsto, ante as bravatas econômicas do PT quando oposição, no governo Lula o Brasil obteve alguns resultados positivos nas exportações, inflação, crescimento e superávit fiscal, à custa de juros altos e aumentos de impostos. Lula, astutamente, conseguiu desvincular sua imagem dos escândalos e ineficiências da gestão petista e prosseguiu em campanha desde que assumiu o Planalto. Em viagens pelo interior do país faz discursos meramente políticos, abusando de metáforas chinfrins e gafes indiscretas, assim como internacionalmente se exibe para a claque esquerdista, anti-americana e terceiro-mundista. A opinião pública brasileira, manipulada pela imprensa hegemonicamente esquerdista, parece confortável com a situação, dados os índices de aprovação de Lula. Atônitos, potenciais concorrentes de 2006, parecem já conformados de que não têm chance e, no máximo, seus partidos tentam antecipar a campanha em 2005 e lançar algum candidato que, em "balão de ensaio", possa conquistar um mínimo de market share, com vistas à disputa de 2010. Nenhuma oposição séria se configura. Desde a década de 90 que as eleições são uma escolha entre opções oferecidas pela esquerda, sem nenhuma alternativa conservadora, à direita. Todos os candidatos somente diferiam adjetivamente na política, sem diferenças ideológicas substantivas. Tanto assim que a única "ameaça" eleitoralmente sensível hoje é o populismo demagógico - e também esquerdista - de Garotinho, que seria facilmente rotulável como um "mal maior" e, portanto, derrotado por Lula. Os ingênuos podem acreditar que o adversário potencial de Lula em 2006 seria o PSDB, um partido de esquerda enrustido, adepto do aumento do Estado (e dos impostos) tanto quanto o PT, que dele diverge apenas no estilo. Para diferenciar-se do PT, o PSDB posiciona-se como competente e equilibrado, porém, não obstante a diferença de alguns métodos e a flagrante superioridade na qualidade dos quadros, seus objetivos são praticamente os mesmos do PT. Isto posto, parece razoável suspeitar de que o PSDB, no fundo, sempre torceu por Lula, tanto que, no governo, lhe pavimentou o caminho e agora na oposição não atrapalha nada. PMDB, PTB, PL e PP são fisiológicos e cooptáveis por qualquer barganha, à direita ou à esquerda, no melhor estilo Justo Veríssimo: "eu quero é me arrumar". A questão estratégica que se coloca para o PFL é incluir-se no rol dos fisiológicos (opção cômoda para seus "coronéis" nordestinos) e ser engolido pelo poder esquerdista, ou perpetuar-se como partido político com identidade e ideologia próprias. Na prática, o PFL sempre demonstrou que, por apego ao poder, abre mão da ideologia liberal. Sua ideologia é o poder, como é o costume político tupiniquim. Foi assim quando se associaram com a esquerda de FHC, na década de 90. Talvez, de olho nos votos da classe média conservadora e num processo de auto-engano, o PFL tenha encontrado uma justificativa racional para sua união com a esquerda light do PSDB, na ilusão de que estavam rejeitando o radicalismo do PT de Lula. Com medo do lobo mau, o PFL entregou o controle do galinheiro para a raposa. Do ponto de vista dos resultados eleitorais imediatos, esta opção provou-se vencedora, mas sua eficácia foi pulverizada pela varinha de condão do Duda Mendonça que transformou o "sapo barbudo" no "Lula light". Afinal, eleições são essencialmente um jogo de marketing. Se o PFL não quiser ser mais um na lista dos fisiológicos, terá que fazer uma escolha dramática. Se optar pela via mais fácil e repetir os chavões da "justiça social" (mesmo discurso da esquerda, porém sem a mesma "credibilidade"); se contentar-se com nacos do poder central para garantir algumas posições locais (estaduais e municipais), então, o PFL desaparecerá do primeiro plano do mapa político, transformando-se em nanico, como ocorreu com o PP e o PL (originalmente não esquerdistas): uma igrejinha de negócios do baixo clero. A opção ambiciosa significa posicionar-se à direita. Mudar o discurso, ser diferente, abrir um novo terreno de batalha que não esteja minado pela esquerda. Não é o caminho de menor esforço mas, a meu ver, é o único possível. Não dá para ultrapassar pela esquerda alguém que trafega nesta faixa. A pista livre é a da direita e quem tentar ultrapassar a esquerda pela esquerda sairá da pista para a ribanceira. A não ser que atropele a esquerda, passando-lhe por cima, o que hoje parece impraticável... É óbvio, também, que esta estratégia tem altos riscos, mas o posicionamento "liberal" tem um certo apelo mercadológico que, nas mãos de um bom marqueteiro, pode frutificar. Intoxicada por anos de hegemonia cultural gramscista e maciça propaganda socialista, a opinião pública brasileira já não pensa. Reage pavlovianamente a velhos clichês da esquerda, isolada que foi do debate de idéias por uma imprensa míope e tendenciosa, num país que declarou guerra à educação e a cultura, desde a década de 70. Este é o desafio. Toda opção estratégica envolve um trade off. Ser uma coisa significa deixar de ser outras. Portanto, o PFL (ou qualquer partido com pretensão de quebrar a hegemonia petista e pessedebista no poder) teria que adotar um discurso radicalmente liberal. No caso, o trade off significa abandonar o discurso fácil do "tudo pelo social" e posicionar-se à direita, sem constrangimentos, com ações do tipo: - Defender a redução de gastos do governo: reduzir o número de ministérios; demitir funcionários "fantasmas" e não concursados; cortar mordomias; vender ativos (viaturas, imóveis do INSS etc.); criar métricas de aferição e incentivo à produtividade no setor público; - Privatização radical: retirar o Estado de todas as atividades não essenciais, incluindo saneamento básico, rodovias, portos, energia, telecom etc. (entenda-se como essenciais: relações internacionais, segurança, justiça, educação básica e saúde pública); - Enfrentar definitivamente a impopular questão da previdência do setor público; - Repressão à criminalidade: propor leis penais mais rígidas, moralizar o aparato policial, agir com constância de propósitos e firmeza na área de segurança; - Eliminar as formas artificiais de "justiça social", engendradas pelos engenheiros sociais da esquerda: cotas universitárias, proteção especial às minorias; desmistificar o senso comum que acredita que a violência é mero fruto da desigualdade social (se fosse assim, a Índia seria mais violenta que o Brasil); - Respeitar a propriedade privada: agir para retirar a "finalidade social" dos julgamentos das leis transgredidas, respeitar os contratos, propor nova lei do inquilinato (que não proteja os inadimplentes), enfrentar o MST e afins com rigor; - Concentrar investimentos e esforços na reorganização do ensino: cultivar a excelência acadêmica e incentivar a meritocracia, livrar as escolas da doutrinação ideológica hoje existente, retornar ao sistema de provas finais e reprovação por insuficiência, redirecionar as verbas para o ensino básico, gerador da igualdade de oportunidades e privatizar universidades públicas. Nesse cenário, os alunos com melhor rendimento e incapacidade financeira fariam jus a bolsas de estudo do governo nas instituições privadas. Trata-se de posicionar-se a favor da modernidade, da eficiência administrativa e mostrar os abusos, desperdícios e autoritarismo do PT. Usar a aritmética que qualquer dona de casa entende para, didaticamente, explicar os fundamentos da macroeconomia que acarretam o déficit, a dívida e os juros altos que, por sua vez, causam o desemprego etc. Mostrar que o Brasil, do jeito que vai caminha para o abismo. Dizer que quem prometer espetáculos de crescimento e milhões de empregos e benesses sociais estará mentindo, porque o país está quebrado. Explicar que os países de welfare state só distribuíram benefícios após se tornarem ricos e que agora estão estagnados há 30 anos. O Brasil é pobre e não pode se dar a tal luxo: precisa trabalhar para criar riqueza. Ademais, trata-se de desconstruir décadas de pensamento retrógrado implantado hábil e pacientemente pela esquerda. E também conquistar a classe média, seguindo uma estratégia semelhante à que o PT utilizou para chegar ao poder. Primeiro, foi um partido dos metalúrgicos do ABC e de sindicalistas. Depois, alastrou-se para as universidades, meio artístico e foi conquistando a classe média, enquanto o povão votava nos PMDB e PFL da vida e os "descamisados" em Collor. Acima de tudo, é uma questão de despertar o contribuinte dentro de cada consumidor e eleitor lesado. O bolso é a parte mais sensível do corpo humano. Basta de pão e circo! A classe média é formadora de opinião. O discurso proposto é "campeão". Se não emplacar em 2006, serão favas contadas para 2010, porque o modelo atual está esgotado. Significa falar a verdade e me parece que o povo está cansado de ser sempre enganado: do Brasil ser eternamente o "país do futuro". A paciência da classe média, espremida entre o desemprego e a violência, está no fim. Se ela será direcionada para uma revolução do tipo chavista ou para banir o esquerdismo do poder, dependerá do surgimento de uma liderança à direita. Por enquanto, só é verossímil a primeira alternativa. O que significa que os oportunistas fisiológicos, que hoje aceitam migalhas do poder em troca de sua adesão ao governo estão, na verdade, entregando a corda para seus futuros carrascos. As revoluções, geralmente, ocorrem em reação à tirania e aos altos impostos. A revolução americana começou com o Boston Tea Party, em reação ao Stamp Act (imposto do selo); a Francesa, explodiu quando o Terceiro Estado sucumbiu ao peso da nobreza e clero ociosos; a Russa alimentou-se da tirania dos czares e até nossa Inconfidência Mineira eclodiu contra a Derrama. No século XVIII, o "quinto" (20%) para a Coroa portuguesa originou um movimento revolucionário. Hoje, com 40% do PIB em impostos, estamos esperando o quê? Obviamente, a estratégia aqui aventada é muito ambiciosa. Mas não há saída. O Brasil precisa encontrar-se com a verdade. É duro e impopular derrubar os mitos e sofismas da esquerda. Dizer que George W. Bush não come criancinhas... que o anti-americanismo é uma doença infantil do esquerdismo... que todo mundo gosta de férias na Disney, filmes de Hollywood, tecnologias, bota nos seus condomínios residenciais ou comercias nomes que vendem casas e lojas, além de outras delícias de consumo americanas; que os que difamam os EUA são invejosos e ressentidos diante do sucesso da combinação democracia - liberalismo econômico - capitalismo; que, se o bem sucedido modelo americano se disseminar, os ideólogos do Estado perderão sua "boquinha" e terão que trabalhar ao invés de extorquir com impostos quem trabalha; que Fidel Castro é um ditador sanguinário; que Cuba é uma miséria, sua medicina é uma farsa e não serve de modelo para ninguém; que o governo dos negros na África do Sul está patrocinando uma limpeza étnica contra os brancos sem precedentes, diante do silêncio criminoso da ONU e dos ativistas de direitos humanos... etc. Romper com o terceiro-mundismo será essencial para o Brasil carimbar o passaporte para o primeiro mundo. Será necessária muita coragem e firmeza de atitudes. E muita costura política. As raposas fisiológicas do Congresso, as bancadas corporativistas e todas as demais forças ocultas conspiram contra. Há que se fazer uma blindagem política do candidato anti-Lula. Será crucial também "combinar" algo com o anacrônico Judiciário, para após a vitória, sustentar as medidas necessárias, mas deve haver uma forma. É tudo uma questão de marketing. Requer planejamento, estratégia, disciplina e propaganda. E, evidentemente, precisa de um bom produto e bons canais de distribuição. Quem se habilitará para o papel de "libertador do atraso?" César Maia, virtual candidato do PFL, com sua origem esquerdista e apenas a fama de bom administrador (ainda que no passado tenha cultivado a imagem de tresloucado) não parece à altura do desafio. É improvável que aceite combater o esquerdismo nem teria credibilidade para tal. Prefere maquiar favelas e dificultar a vida da classe média urbana com seus projetos cosméticos Favela-Bairro e Rio-Cidade. Apesar de encher os cofres da Prefeitura, nunca reduziu impostos. E na recente questão dos hospitais do Rio de Janeiro, parece que, apesar de suas legítimas mas mal explicadas razões, cometeu suicídio político. Eis o dilema: o PFL tem diante de si a faca e o queijo. Mas só pode usar a mão direita porque sua esquerda é paralítica. Se agarrar o queijo, deixará a faca para seus algozes, que logo lhe tomarão o queijo (se preciso, cortando-lhe a mão...). Se resistir à gula e apanhar primeiro a faca, para depois enfrentar os inimigos que terão pegado o queijo deixado para o segundo lugar, talvez sucumba de fome antes de recuperar o queijo que lhe poderia restaurar as forças. Nota do Editor: Jorge Luiz Baptista Ribeiro é engenheiro e pós-graduado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas.
|