– Vou arrumar um ônibus só para levar os meus amigos. Por enquanto, um micro.

É apenas uma brincadeira, mas bem podia ser verdade. A cobradora, uma mulher na casa dos 40 anos, tem realmente amigos de sobra, e a maioria se acumula em frente à catraca do ônibus, dificultando a passagem de quem entra. A sorte é de quem consegue sentar no banco ao lado dela – por este banco, há quem dispense os melhores lugares do ônibus. Ali ouvem a cobradora contar os seus causos (como aquele da mulher que cochilou e foi parar em outra cidade) e, principalmente, contam também os seus.

Assim é que ela fica sabendo do drama de um passageiro que fez uma recarga para celular no número errado. Ligou atrás, pediu que devolvessem os créditos, a mulher que atendeu prometeu fazer isso assim que saísse do trabalho, mas ele está até hoje esperando. Os amigos do sujeito se divertem com a história e a própria cobradora faz uma piada a respeito. Logo se vê que todos se conhecem de muitas viagens.

Mas eis que entra no ônibus uma mulher, naturalmente amiga da cobradora, que parece querer monopolizar a conversa com ela. Fica em pé ao lado dela e começa a contar em voz baixa a sua própria história. Só que não consegue atenção por muito tempo, já que estão sempre subindo pessoas que também exigem uma palavrinha da cobradora. Às vezes um simples cumprimento, às vezes uma conversa sobre o tempo – “Está frio lá fora?”.

De vez em quando acontece do próprio motorista entrar no papo. Parece que ele recusou uma banana que a cobradora lhe trouxe, pois a fruta chegou em estado catastrófico. Todos riem. Nem parece que estão andando de ônibus e que aquela é a hora do rush. São os amigos da cobradora, aqueles que dariam para encher um micro-ônibus. É por isso que ela parece tão satisfeita, mesmo tendo almoçado pouco.

É provável que ninguém leve nada disso em conta no dia em que modernizarem o sistema de transporte público – no dia em que não haverá mais cobradores, e talvez nem amigos.