Todo dia, ao entardecer, quando a janela se abria, então a bela menina surgia para alegrar a paisagem. Ao menos seria para ser assim, pois quem passava adiante logo a olhava desejando encontrar um sorriso, mas sempre avistava o mesmo semblante entristecido na linda mocinha. Olhos negros, tez no lustro de verniz suave, jambo na pele, feição delicada, cabelos negros descendo em tranças. Lábios artesanais, mãos finas e delicadas, uma pulseira de cipó enfeitando o braço, uma flor do campo enfeitando os cabelos. Tão linda a menina, mas tão tristonha. Não sorria, não cantava, nada mudava sua feição. Passarinho voava ao redor, borboleta pousava no umbral, colibri fazia menção de querer beijar o seu lábio. Nada disso lhe comovia ou a tornava contente, nada lhe trazia qualquer felicidade. Apenas ficava ali mirando distante, imaginando coisas que somente ela poderia desvendar. Quando não estava com olhar perdido adiante, nas distâncias sem fim, então fazia surgir um caderno e um lápis e depois começava a escrever. Escrevia versos curtos, ligeiros, todos também melancólicos e amargurados, que depois tomavam uma destinação certa: eram entregues à ventania. Ontem sonhei beijando e quase arranquei o meu lábio minha boca não merece matar a sede e eu não preciso me banhar em ilusões então que os sonhos sejam desertos áridos e cortantes como frias lâminas e que o meu beijo seja sobre a terra diante da cruz que terá o meu nome. Assim, ou quase assim, eram os versos da menina. Depois lia e relia, talvez reescrevesse alguma coisa, e então fazia um breve gesto de despedida antes de soltá-los num instante de maior força na ventania. E pelo ar seguiam as letras, os versos, os sentimentos, numa viagem desconhecida. Sou aquela que espera sempre que desesperadamente sempre espera mas não tenho abraços para a chegada nem beijo ou sorriso como boas vindas eis que sua visita não depende do querer ou de desejo que venha na hora marcada pois sei que virá antes mesmo da felicidade e consigo levará para a terra o que guardei e que somente na morte terá existência. E todos os dias tais versos eram escritos e depois entregues ao vento. Mas um dia, ao invés de soltar sua folha pelo ar, simplesmente ela subiu no telhado e se deixou levar. Talvez pela ventania maior, terrível vendaval na existência. E no umbral da janela restou o verso em vida. Pássaro, passarinho que sou não quero mais sofrer a dor da solidão tenho asas para encontrar o amor e por isso agora sigo na sua direção como verso pássaro que faz do seu voo viagem de morte maior que a ilusão. E nunca mais a menina ao entardecer. Apenas o vento trazendo os seus versos e os deixando como flores tristes, como pétalas mortas no umbral da janela. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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