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Transportes
25/09/2014 - 16h03
Ciclofaixas, transporte urbano e espaço público
Marcos Kiyoto
 

Desde a posse em 2013, a atual gestão da Prefeitura Municipal de São Paulo tem tomado medidas fortes – e polêmicas – acerca dos transportes urbanos. A controvérsia atual é o plano em andamento de criar 400 km de ciclofaixas até o final de 2015. Esta discussão, somada à outra recente, sobre as faixas exclusivas de ônibus, aponta para uma mudança de paradigma no transporte urbano: as ruas não são apenas para os carros.

É consenso no meio técnico de que o modelo de transporte urbano vigente nas grandes cidades brasileiras (sendo São Paulo a maior delas), onde o automóvel é o modo predominante, está esgotado. Durante mais de meio século nós acreditamos que o carro é um elemento vital. “Governar é construir estradas”, disse Washington Luis em 1920, e nós confiamos nisso. Construímos estradas, avenidas, viadutos, túneis; estimulamos a indústria automobilística. A propaganda cuidou de associar a posse do automóvel a imagens de liberdade e sucesso profissional, e assim cada cidadão alimentou o sonho de um dia ter o seu carro. Mas quando esse sonho começa a se concretizar, para uma parcela maior da população, a promessa de liberdade se mostra falsa. Se cada um tiver um carro, eles não cabem na cidade.

Os sintomas já são evidentes: congestionamentos frequentes, tempos de viagem impraticáveis, níveis de poluição alarmantes. Temos hoje na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) entre 5 e 7 milhões de automóveis particulares, mas na horas-pico menos de 1 milhão deles saem nas ruas, o que é suficiente para causar enormes congestionamentos. Precisamos mudar a maneira de pensar o transporte nas cidades, com urgência.

O automóvel é um modo de transporte de baixo rendimento: gasta muita energia e muito espaço para transportar poucas pessoas. Uma pessoa que se locomove por bicicleta ocupa em média 10 vezes menos espaço do que por automóvel, o que significa que uma via utilizada por bicicletas pode transportar 10 vezes mais pessoas do que uma via utilizada por automóveis. Uma via utilizada por ônibus pode levar de 7 a 16 vezes mais pessoas (a depender do nível de exclusividade da faixa). Interpretando de outra maneira, uma via ocupada apenas por automóveis é um espaço público subutilizado.

A possibilidade do uso do automóvel está diretamente associada à renda, o que torna as áreas destinadas ao seu uso menos acessíveis à população de baixa renda. No entanto, a construção e manutenção do sistema viário é pago por toda a população, através do IPTU. É um espaço público. Todos pagamos pelo asfalto, por onde passam hoje mais automóveis do que ônibus ou bicicletas; pela iluminação pública, que prioriza iluminar a pista dos carros (que já possuem faróis) ao invés das calçadas dos pedestres; e pelas vagas de estacionamento gratuito no meio-fio, sem as quais o uso diário do carro pode se tornar inviável em algumas situações. Ou seja, toda a população subsidia o uso do automóvel, ainda que apenas metade das famílias da RMSP possuam um e que ele responda por apenas um terço das viagens diárias (sendo os outros terços, transporte coletivo e viagens não motorizadas – a pé e bicicleta).

Podemos então concluir que uma cidade que dá prioridade ao transporte coletivo e não motorizado é uma cidade que distribui melhor os recursos públicos e amplia o direito constitucional de ir e vir. Pensando nisso, a Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) coloca como prioritários os modos de transporte não motorizados e coletivos dentro dos transportes urbanos. A aprovação recente desta lei foi considerada uma vitória no meio técnico, mas passou despercebida pela população em geral.

As ciclofaixas em implantação, assim como as faixas exclusivas de ônibus, dão um uso mais democrático a um espaço antes destinado ao fluxo e ao estacionamento dos automóveis. No entanto, tem causado indignação de parte da população e sido alvo de ataques constantes da grande mídia, sob acusações superficiais de restringir o já frágil uso do automóvel ou de serem medidas autoritárias e inconsequentes. O ser humano individualmente é avesso a mudanças. “É que Narciso acha feio o que não é espelho”, disse Caetano Veloso. Não é perceptível na escala individual que a redução da área disponível para automóveis, em total acordo com as diretrizes nacionais citadas, é insignificante perto da saturação generalizada do sistema viário, que data de mais de duas décadas. Questões urbanas se dão em longo prazo, os benefícios desse tipo de medidas só serão sentidos após alguns anos.

Há muito o que melhorar nos planos – incluir o pedestre nas prioridades; criar um sistema cicloviário mais abrangente; criar uma rede de ônibus mais coerente; ampliar a rede metroviária. O debate foi lançado. O uso das vias públicas está posta em questão. A mudança é inevitável. Cabe a cada um de nós aceitar que é necessário mudar e discutir como.


Nota do Editor: Marcos Kiyoto é professor de Planejamento Urbano do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhanguera de São Paulo – Unidade Vila Mariana.

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