Um amigo meu, empresário do ramo têxtil, fez-me revelações surpreendentes. O negócio dele é ganhar dinheiro, e diz-me que ganhar dinheiro é perfeitamente moral e irrepreensível, e quanto mais melhor, uma vez que ninguém ajuda o necessitado. Vai que você fica desempregado, ele me diz. E com o objetivo de ampliar os negócios, começou a fabricar e vender bombas para pessoas que andam de carro, em sua maioria mulheres. As bombas são colocadas dentro de bolsas que ficam no banco do carro, do lado do passageiro. Os assaltantes costumam roubar essas bolsas e outros objetos transportados no banco, quebram o vidro e roubam. As bombas são fabricadas em três modelos diferentes. Em uma delas o dispositivo de disparo é acionado pelo movimento brusco do assaltante ao retirar a bolsa do banco - caso o dono da bolsa a remova com movimentos suaves a explosão não ocorre. E é muito fácil desmontar a bomba, para guardar à noite na garagem se não for detonada durante o dia. A bomba é regulada para explodir dois ou três segundos, conforme o gosto do freguês, após o roubo - esse tempo é considerado ideal para que o assaltante se afaste do carro, não pondo em risco seus ocupantes, e antes que ele se junte à multidão na calçada. Se o assaltante carregar a bolsa com a bomba muito junto ao corpo tem morte certa. Na maior parte dos casos, a explosão arranca o braço. Os outros modelos são acionados por controle remoto, caso o usuário sinta-se receoso ou inseguro. Pode disparar a bomba ou cancelar o dispositivo automático de disparo, na hipótese de risco para terceiros, conforme queira. Ele me garante que a bomba é sucesso de vendas. A mulher do meu amigo empresário levou para casa um garoto de oito anos a quem encontrou dormindo em um bueiro, na Cracolândia, em São Paulo. Esse já não roubava carros, por não ter força para quebrar o vidro, e sim bolsas de mulheres na calçada. O empresário disse a ele que estava vendendo bombas para que as mulheres colocassem em suas bolsas, também. E deu um revólver ao garoto, com a recomendação de que parasse de roubar as bolsas das mulheres, que era muito perigoso, e fosse assaltar vítimas mais rendosas, gente de mais posses. Meu amigo empresário culpou os tempos bicudos por seu comportamento contraditório. Punha uma arma na mão do ladrão de bolsas de mulheres, as quais abastecia com bombas justamente para que as mulheres pudessem se defender dos assaltantes. Com o Esquadrão da Morte que ele organizou aconteceu algo parecido - pondo a nu o lado contraditório da vida. O Esquadrão da Morte criado por ele tem por finalidade combater a criminalidade, que deveria ser incumbência do governo, mas que, todos reconhecem, atingiu índices alarmantes no país: está fora de controle. O empresário fez uma descoberta desagradável e enviou um e-mail ao presidente. No e-mail dizia que seu Esquadrão estava matando gente inocente por culpa do governo, que pessoas inocentes, honestas e trabalhadoras estavam sendo recrutadas pelo crime organizado e que isto acontecia por falta de oportunidades para o povo. Mas que seu Esquadrão, ao enfrentar bandidos, não queria saber se, na origem, eram honestos e trabalhadores, pois bandido é bandido, e atirava para matar. Como eram bandidos por culpa do governo, estas mortes deviam pesar na consciência do governo e não na dele. Claro que esta história não é real. Meu amigo empresário, cujo nome não posso revelar, criou esta fábula no intuito de demonstrar que se isto acontecesse na realidade não seria mais absurdo do que o que de fato ocorre, na realidade dos nossos dias, de tempos bicudos. Que absurdo? O âncora de um telejornal de grande prestígio diz diante das câmeras que deveria haver gente presa, no Rio (em qualquer país haveria), em decorrência do escândalo na saúde pública, com intervenção federal, sem dar nome aos bois. Um humorista de outra rede diz que o problema no Rio é uma questão de "O rei está nu". Ou seja, parece que é só uma questão de dar nome aos bois e dizer o que eles andam fazendo. Mas dizer claramente, com todas as palavras, sem sofismas. Sem medo e sem hipocrisia, diz o empresário. O apresentador de outro programa de televisão, líder de audiência no horário e naquela emissora, diz que o boi patrocina shows milionários nas areias de Copacabana enquanto o povo agoniza nas filas dos hospitais municipais e o governo federal intervém. Além disso, desencadeia, ao mesmo tempo, uma campanha também milionária na televisão e no rádio em defesa ou visando à promoção do seu governo. E tudo com o dinheiro do povo, diz o apresentador. O que não é certo, ele acha.
Meu amigo empresário diz. É só o absurdo levado às últimas conseqüências.
|