14/09/2025  18h11
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Opinião
14/04/2005 - 07h54
No Ministério da Cultura
Ipojuca Pontes - MSM
 
"Quando me falam em cultura eu saco o meu talão de cheque" - Samuel Fuller, cineasta

Nos idos de março (royalties para Tirésias - Julio César - Shakespeare) fui a Brasília a convite de Gilberto Gil, o ministro da Cultura do governo Lula, para falar, por ocasião dos 20 anos de criação do Minc, sobre o tema "Cultura e desenvolvimento". Muita gente não sabe mas, no governo Collor de Mello, entre março de 1990 e março de 1991, estive à frente da dita pasta, transformada, então, por conta de necessária reforma administrativa que visava diminuir o tamanho do Estado, em Secretaria Nacional da Cultura. Ao atender o ministro (pelo telefone), procurei, de início, descartar o convite, entre outros motivos por considerar hoje inconveniente qualquer ato público ou social que venha a reunir mais de meia dúzia de pessoas. Mas, diante do democrático gesto de Gilberto Gil, que realçou a importância de ouvir o pensamento adverso, e considerando, por sua vez, a oportunidade de expressar o meu pensar - aceitei a convocação.

No meu depoimento, em Brasília, disse aos presentes que assumi a pasta da Cultura após um quarto de século de governos militares e cinco anos do (des)governo Sarney - este, eleito pelo voto indireto (como vice de Tancredo Neves) de colégio eleitoral que, embora considerado democrático, marginalizava a soberania da vontade popular. Ademais, tomei a liberdade de lembrar aos ouvintes que, neste período, tanto os presidentes militares quanto o governo da Nova República, exacerbando a política de desenvolvimento industrial que visava a "substituição das importações", terminaram por levar o País ao mais deslavado intervencionismo estatal, que culminou por estabelecer galopante processo inflacionário cujos índices atingiam a casa dos 3% ao dia, algo em torno de 89% ao mês.

O resultado da irresponsável política intervencionista, que associava hiper-inflação à demagogia distributiva do "tudo pelo social", foi que o País desmoronou de vez, assumindo a imagem de uma casa de tavolagem, em que a pobreza viu-se reduzida à miséria, e a miséria (física e moral), por sua vez, alastrou-se como fogo em palha. Subiram, como não poderiam deixar de subir, os espantosos níveis de criminalidade e corrupção, elevaram-se de forma desproporcional os índices de suicídios e desajustes sociais, sem falar, é claro, na completa desarticulação da cadeia produtiva, assolada pelo vendaval do dinheiro fraudulento que punia dolorosamente empresários e a massa trabalhadora.

Em meio ao massacre inflacionário, o (des)governo Sarney, incapaz de associar causa e efeito (royalties para Gilberto Amado) e a reboque da permissiva "constituição cidadã" (uma carta de haveres sem deveres), encharcou-se no lodaçal de concessões de toda natureza, fazendo dos incentivos fiscais e financiamentos a fundo perdido uma cornucópia de dinheiro fácil, socialmente irresponsável e economicamente doentio, centrado na apropriação, pelo privado, do bom resultado, e na socialização, pelo contribuinte, do prejuízo - e que prejuízo!

Ainda no mesmo diapasão, para que o espectro do intervencionismo estatal cultivado com afinco pelos militares e a Nova República não ficasse no limbo de um passado tido como morto e sepultado, associei o "imposto inflacionário" da Era Sarney à voracidade fiscal do governo Lula, cuja carga tributária, sempre em ascensão, poreja os 40% do Produto Interno Bruto (hoje, aferido em mais de um trilhão e meio de reais), num avanço sem precedentes do Estado improdutivo sobre o trabalho criador de riquezas da sociedade.

Em minha breve intervenção, no auditório do Minc, chamei a atenção dos interessados quanto a fúria regulatória levada a efeito pelos governos militares, de caráter plenipotenciário, a interferir de modo arbitrário nas atividades econômicas dos agentes privados, inibidor do processo produtivo e conseqüentemente gerador, pela contrapartida de favorecimentos, do paternalismo e do tráfico de interesses, a distorcer gravemente a relação entre o particular e o Estado, o cidadão e o poder público.

Nesse particular, ressaltei que os subsídios e o dinheiro a fundo perdido tornaram-se fins em si mesmos. A eficiência e a produtividade antes determinadas pelo mercado, mormente nas artes industriais, deixaram de ter um papel a desempenhar no cenário de privilégios - fomentando, como prática consagrada, um sistema perverso metabolizado pela burocracia e assimilado pela clientela de produtores culturais sustentada pelo dinheiro do contribuinte que, o mais das vezes, ignorava (e ignora) o objeto da criação alienada.

Em que pesem os aplausos no final do meu depoimento, desconfio do eco de minhas palavras diante de tão distinta platéia. Na sua fala de agradecimento, num gesto que pode ser entendido como "politicamente correto", Gilberto Gil convocou os antigos ministros ali reunidos para que participassem, com idéias e sugestões, de um possível "colegiado informal de consultas mútuas", objetivando, quem sabe, o melhor exame dos problemas que enredam o trato da cultura oficial.

De minha parte, como pessoa física e jurídica envolvida com arte e cultura há mais de 30 anos, quer como crítico quer como ex-produtor de peças e filmes, não descarto o convite. Desde, no entanto, que o atual ministro, que vive a experiência de estar na frente e por trás do balcão, venha a admitir que o intervencionismo estatal, também na área da cultura, seja encarado mais como problema do que solução.


Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "OPINIÃO"Índice das publicações sobre "OPINIÃO"
31/12/2022 - 07h25 Pacificação nacional, o objetivo maior
30/12/2022 - 05h39 A destruição das nações
29/12/2022 - 06h35 A salvação pela mão grande do Estado?
28/12/2022 - 06h41 A guinada na privatização do Porto de Santos
27/12/2022 - 07h38 Tecnologia e o sequestro do livre arbítrio humano
26/12/2022 - 07h46 Tudo passa, mas a Nação continua, sempre...
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.