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Opinião
29/10/2014 - 17h38
O surto de Ebola e a pandemia do medo
Rodrigo Angerami
 

De doença rara, quase curiosidade médica e tema de produções cinematográficas ficcionais, eis que o Ebola se tornou uma realidade, uma ameaça global; uma questão de segurança nacional.

A doença pelo vírus Ebola, uma zoonose que tem em morcegos e primatas seus reservatórios naturais, é mais um exemplo de vírus que “saltaram” entre espécies. Transmitido pelo contato direto com sangue e outros materiais biológicos (como, fezes, vômitos, urina, sêmen etc.) eliminados por pacientes infectados e sintomáticos (e somente quando sintomáticos). À luz do conhecimento atual, não é transmissível por via aérea. Dentre os infectados, uma parcela significativa dos casos evolui com complicações hemorrágicas, colapso circulatório e disfunções orgânicas múltiplas, justificando a letalidade de cerca 50% entre os casos do surto atual.

Iniciado em dezembro de 2013, mas detectado em março de 2014, o surto de Ebola na África Ocidental vem se avolumando em número de casos e de óbitos desde então. Muito se questiona se a declaração do surto como Emergência Internacional em Saúde Pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em agosto de 2014, não foi demasiadamente tardia e tenha sido um dos determinantes da expansão do surto? Difícil afirmar em que proporção, mas certamente o alerta global e a sensibilização para necessidade de colaboração internacional que agora se observam teriam sido mais precoces.

A situação é preocupante, ganha nuances trágicas a cada dia, pelos números – provavelmente subestimados, mas que já somam mais de 8 mil casos e 4 mil óbitos – e pela divulgação em tempo real de notícias e imagens de pacientes moribundos e corpos, muitos corpos “envelopados”.

Surtos de Ebola não são novidade, pois vêm ocorrendo pelo menos desde a década de 1970, alguns com letalidade próxima a 100%. Em todo o mundo, ano após ano, mais de 500 mil pessoas morrem de Influenza e milhões se tornam vítimas da dengue. Na África, todos os anos, milhares de crianças morrem em decorrência de diarreia e outros tantos milhares de pessoas por malária. O que torna, então, o atual surto de Ebola motivo de preocupação nunca observada em relação aos vários outros que o precederam?

Primeiramente, o fato de que, apesar de todo os esforços internacionais, a interrupção da transmissão da doença nos países com surto – Guiné, Libéria, Serra Leoa – não parece próxima, há um crescente número de casos novos e óbitos e a expansão para novas áreas de transmissão. As estimativas recentes da OMS são pessimistas: seriam necessários vários meses para o controle do surto e o número de casos pode a chegar a dezenas de milhares. O colapso da já esfacelada infraestrutura e o isolamento dos países afetados, o risco à segurança alimentar, a instabilidade político-social, a retração das frágeis economias já se delineiam como mais uma tragédia humanitária no continente africano. Some-se a isso questões éticas e diplomáticas decorrentes das discussões, que já ocorrem em vários países, acerca da adoção de barreiras sanitárias voltadas a egressos dos países acometidos. E mais: nunca se teve um surto com um número tão grande de casos e uma duração por período tão prolongado, em três países simultaneamente.

Pela primeira vez, a doença, “escapou” dos longínquos vilarejos nas florestas, chegou aos centros urbanos e partir daí “viajou” a outros países e continentes. Exemplos recentes justificam a preocupação (não pânico) e ratificam a necessidade de que o mundo tenha suas capacidades de resposta estruturadas. O caso importado nos EUA, detectado tardiamente, mostrou que a introdução do vírus é possível, factível, ainda que, de um modo geral, se considere pouco provável. A transmissão a partir de casos conhecidos a profissionais de saúde nos EUA e na Espanha apontou que, sim, a ocorrência de casos secundários, a transmissão, fora do continente africano é tangível.

E no Brasil? Há um plano de contingência, bem estruturado e que já foi simulado. Um primeiro suspeito, já descartado, colocou o planejamento brasileiro sob teste. A percepção inicial é de que a capacidade de resposta, para o nível de alerta atual, se mostrou apropriada.

Ocorrência de surto país? Pouco provável, notadamente, dentre outras coisas, por serem a infraestrutura sanitária, as condições de isolamento de casos suspeitos, a oferta de equipamentos de proteção individual muito mais apropriadas que aquelas observadas nos países africanos sob surto.

Alguns apostam que inexoravelmente casos importados venham a ser confirmados no país. Outros afirmam que seria quase impossível. Nesse momento, o mais prudente, seria considerar que, sim, o surto atual da febre pelo vírus Ebola figura como desafio e potencial ameaça global, que a entrada de casos confirmados seja possível (mas não tão provável), e que, ainda que menos provável, a ocorrência de surtos no país, por ora, seja algo improvável. Para que, de fato, se mantenha improvável a experiência de um surto no país, são imprescindíveis ações bem estruturadas e integradas objetivando a detecção precoce de casos suspeitos, não apenas em portos e aeroportos das capitais, mas em municípios Brasil afora, incluindo-se aqueles de fronteira, potenciais portas de entrada de migrantes e refugiados.

Para tanto, são mandatórios um sistema de vigilância sensível, serviços de saúde adequados, profissionais da saúde capacitados, diagnóstico laboratorial ágil e divulgação transparente das informações pelos órgãos governamentais. Não menos importante nesse momento, entretanto, é a contenção do pânico, esse sim passível de se disseminar e se tornar em pandemia sem precedentes.


Nota do Editor: Rodrigo Angerami é médico infectologista do Hospital de Clínicas da UNICAMP e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

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