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Opinião
31/10/2014 - 11h00
Desconstrução e política
Sergio da Motta e Albuquerque
 

Nunca antes na história do jornalismo político nacional a palavra “desconstrução” foi tão empregada pela imprensa brasileira como na cobertura das eleições de 2014. Alguns profissionais ficaram viciados em seu uso e abuso. Mais uma vez, o conceito original foi vulgarizado pela imprensa nacional. Marina da Silva foi “desconstruída”, Aécio Neves também. Alguns jornalistas de grande visibilidade abusaram do uso equivocado da palavra para explicar, em sua maioria, o desempenho da campanha do PT – que teria “desconstruído” impiedosamente seus adversários.

O blog do Instituto Moreira Salles já havia sinalizado o erro da vulgarização do termo na política em setembro deste ano (17/9). Explicou que a confusão em parte vem de gente mal-intencionada e marqueteiros que querem promover a campanha de seus candidatos a qualquer custo. Política é vale-tudo, para essa gente. Por outro lado, explicou a jornalista e pós-doutora em Filosofia Ana Rodrigues, o termo vem dos trabalhos do filósofo alemão Martin Heidegger. Que grafava Detruktin – alemão para “desconstrução”. A tradução, para línguas latinas, acaba sugerindo “destruição”.

E foi assim que muitos jornalistas entenderam desconstrução: como a destruição do adversário. Uma categoria importante da filosofia foi empregada de forma leviana e imprópria. Desconstrução é um conceito elaborado pelo filósofo franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004) nos anos de 1960 com a intenção de “expor e subverter a hierarquia dualista oculta nas teorias sobre a natureza do mundo na filosofia tradicional”. O filósofo acreditava que “discursos são construções que constroem inclusive aquilo que estabelecem como seu fundamento”. A desconstrução vive “nos discursos, nos corpos, instituições e estados”, explicou seu colega, o filósofo Michael Nass, no mesmo artigo. Todo discurso que se autojustifica precisa ser desconstruído, sempre lembrando que desconstrução e destruição são coisas muito distintas.

A política necessita ser desconstruída

Mas o que isso tudo tem a ver com as eleições? Bem, se quisermos empregar o conceito exato de Derrida, precisamos entender que, antes de tudo, a desconstrução “não é uma forma de operar ou agir”, como ensinou Michael Nass no artigo postado na página do Instituto Moreira Salles. “É um acontecimento e não tem a capacidade de operar ou ser aplicada sobre qualquer coisa”. Inclusive candidatos políticos. A autora acredita que os protestos populares que varreram o país em 2013 podem ser vistos como atos legítimos de desconstrução do discurso político vigente na política institucionalizada:

“A desconstrução na e da política brasileira poderia deixar de ser um gesto ridículo e desesperado que pretende apontar as falhas de esta ou aquela candidatura para ser a possibilidade de perceber que toda representação pode ser questionada porque está em desconstrução – aqui sim, no sentido derridiano – a própria ideia de que um candidato pode vir a representar a multiplicidade de anseios de sociedades complexas e desiguais, como é a brasileira.”

A jornalista, veterana na profissão e pesquisadora da obra do filósofo, encerrou seu artigo desejando que a desconstrução real ocorresse nas eleições deste ano. Não aconteceu. Discutir a representatividade atual dos políticos em um sistema desgastado de práticas sujas incomoda. Por isso as reivindicações originadas nos protestos do ano passado acabaram fora dos debates. Ninguém se atreveu a tocar no tema. O trauma ainda está lá. Os políticos, em 2013, conheceram como nunca antes o poder da mobilização popular independente. E tremem de medo até hoje.

Desconstrução na política é algo muito além, muito mais complexo que simples destruição da reputação do adversário: é a contestação radical do discurso originado na prática histórica tradicional de fazer política. É o questionamento da subordinação a um sistema político vigente como um todo em todo o mundo. É por em xeque, através da análise a linguagem presente na prática política, a representatividade dos políticos que já não nos representam, sejam eles de esquerda ou direita.

A política (teoria e prática) não precisa de reforma, referendo ou qualquer outro instrumento burocrático que recoloque tudo nos mesmos termos do passado: ela precisa ser revolucionada. Necessita ser desconstruída, desmontada, repensada e remontada sobre outras bases, diferentes daquelas que herdamos. Não só no Brasil, mas em todo o mundo. Talvez então o povo volte a confiar nos políticos e as campanhas eleitorais sejam mais saudáveis e não tragam mais tanto ódio, violência e intolerância como vimos em outubro de 2014.


Nota do Editor: Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor. Fonte: Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br)

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