Terão os indivíduos e os povos um destino inexorável? Estarão presos num labirinto inescapável, em que as portas visíveis são meras ilusões, decepções terríveis ao se verificar que conduzem a outros cômodos, com outras portas sem saída para o campo livre do ar da liberdade? Não foram poucos os pensadores deterministas. Assim como foram muitos os crentes no livre arbítrio. A Igreja Católica sempre se debateu entre essas duas condições da existência humana e suas inevitáveis contradições. Como explicar o pecado sem o livre arbítrio? Seu exemplo maior não deu as tintas do criacionismo paradisíaco e do lamentável desatino do primeiro e da primeira mulher, esta ainda mais ousada, tentadora e irresponsável, que custou a milhões de seres humanos suas angústias “secula seculorum”? O maior crítico do espiritualismo e especialmente da religião, a julgar por sua repercussão entre os maiores contingentes humanos, em que pese uma boa parte por osmose, adesões partidárias e grupais e sem nenhum apetite para ingressar intelectualmente nos meandros igualmente labirínticos de uma obra como “O Capital”, foi indiscutivelmente Karl Marx, até hoje guru de “neomarxistas”, inconscientes de que, ao reparar seus conceitos equivocados, desconstroem por inteiro a própria e “santa” doutrina do ateísmo e da luta de classes. E Marx não escapou do drama que cunhou de “contradições”: enquanto dizia que o homem é o feitor e responsável por sua própria história, prendia-se ao hegelianismo às avessas, a evolução da história e não do espírito, determinada por modos de produção: escravismo, feudalismo, capitalismo e seu sonhado socialismo. Sem percorrer essas fases, o homem não conquistaria o desenhado socialismo. A crença mecânica de Marx na revolução do proletariado era tão acentuada que ele deplorava, com sua agressividade habitual em relação aos discordantes de suas ideias, as proposições social-democratas, é dizer, as reformas sociais tendentes a melhorar as condições de vida dos trabalhadores, porquanto isso perfurava seu plano incontestável, a inevitável “revolução socialista”, que só trabalhadores andrajosos e famintos poderiam fazer. O ponto mais avançado da ciência – a física – na formulação de Newton também seguia as imposições da natureza inevitável. O físico, cujos estudos nem mais se integram aos currículos contemporâneos, tanto cria na inevitabilidade dos fatos que, em seu mandato na Câmara dos Lordes, não fez nenhum pronunciamento, salvo um pedido ao bedel, num dia frio, para fechar uma janela. A física atual, a começar pelo princípio da incerteza de Heisenberg, a mecânica quântica que pode transformar elétrons em ondas ou partículas, segundo a observação particular do observador, veio proporcionar um alento gratificante aos defensores do livre arbítrio, à capacidade do homem de transformar o mundo, na razão direta de sua evolução educacional e cultural, em todos os campos culturais – psicologia, filosofia, sociologia, direito, política, e no âmbito tecnológico, capaz de transformar significativamente nossas condicionantes físicas. Portanto, como dizia Tancredo, o avô de Aécio Neves, não nos dispersemos. Falamos isso depois de uma das mais acirradas eleições presidenciais no Brasil. Só o processo civilizatório é capaz de imprimir novos rumos a um plano adrede preparado dentro do qual devemos nos acomodar – sejam sujeições religiosas ou a dogmas equivalentes no terreno da política, da economia e outros, verdadeiras pedras postas no caminho do progresso humano. E temos tudo por fazer, desde a educação fundamental até a elevação de nosso povo a uma reflexão política fundamentada na crítica abalizada, ainda que sempre sujeita a erros. Em suma, sem o aperfeiçoamento da consciência individual jamais teremos boa política e um país razoavelmente ordenado e em paz. Corremos o risco, inclusive, de um processo entrópico desastrado. O resultado das eleições presidenciais de 2014, que parte tragicamente nosso Brasil ao meio, em favor de um partido da ordem que não teve a mínima dúvida em usar a máquina pública completamente aparelhada a seu projeto populista de poder e desconstruir os que considerou compatriotas inimigos, só nos leva às observações de C. G. Jung: “A situação do mundo chegou a tal ponto que nem as palavras mais comovedoras significam alguma coisa ainda. Parece-me que o que importa agora é cada um estar seguro de sua atitude. Alguém que presume que sua voz tenha grande repercussão, expõe-se apenas à probabilidade de pertencer àqueles que disseram alguma coisa para provar a si mesmos que fizeram algo, ainda que não tenham feito nada. As palavras se tornaram baratas demais. Ser é bem mais difícil e por isso mesmo é substituído por palavras.” (...) “A situação política do mundo me lembra a torre de Babel e seu destino. Eu penso no poeta alemão Holderlin, contemporâneo de Goethe”: “Mas a nós foi dado não descansar em parte alguma. Desaparecem, caem os homens sofredores. cegamente, hora após hora, Como a água, de penhasco em penhasco, abismados, ao longo dos anos, no incerto.” Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho e fundador da Garrido de Paula Advocacia.
|