Com a morte de Manoel de Barros (1916-2014), a poesia brasileira perde mais um grande nome, certamente um dos maiores. É bem conhecida a história de como o próprio Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta brasileiro vivo em favor de Manoel de Barros. Pois bem, hoje, ambos estão mortos, e a poesia brasileira fica outra vez de luto. Cala-se então uma voz dotada de uma capacidade única de subverter sentidos, de perverter as vias “normais” da palavra e cantar uma espécie de antipalavra, uma palavra que explica ao confundir, afirma ao negar, que desafia todas as nossas percepções do funcionamento do mundo e do nosso lugar nele. Espantava em Manoel de Barros a capacidade de compreender e expressar a angústia e o vazio da vida contemporânea por meio da poesia. Afinal, entendia que “Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira” e “A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos” (versos de O livro sobre nada, 1996). Manoel de Barros fugia da atenção pública, mas foi amplamente reconhecido (ganhou o Jabuti duas vezes, além de muitos outros prêmios). Sua poesia tem sido classificada de várias maneiras: modernista, pós-moderna, de vanguarda. Mas buscar uma classificação talvez seja uma forma inadequada de abordar uma poesia que questionava os padrões de uma sociedade obcecada com informação, classificação, eficiência. Manoel de Barros desafiou rótulos e padrões. Um não-lirismo propenso à criação de novas palavras e à torção de normas poéticas e gramaticais marcava sua poesia. A linguagem complexa de Manoel de Barros suscita comparações com outros subversores da linguagem: Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto. Manoel de Barros era homem do campo, ligado a terra, à natureza, à essência do que é ser humano. E entendia essa essência suficientemente bem para compreender o que nos afastava dela. Não só isso, como também oferecia um remédio: brincar com o nada e nos fazer ver o tudo, e assim fazer com que a linguagem, essa mais primitiva força humana, nos trouxesse de volta a nós mesmos. Nota do Editor: Rodrigo Franklin de Sousa é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião do Centro de Educação Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Letras pela University of Cambridge (Reino Unido – 2008). Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande – antiga UFPB – Campus II (2000), e formação em Teologia (M.Div.) pelo Covenant Theological Seminary (EUA – 2004).
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