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Opinião
19/04/2005 - 11h17
O resgate
Renato Nunes
 

Estou inteiramente de acordo com as observações do Ronaldo Dias feitas na edição do dia 30 de março último nesta revista sob o título "A obrigação de agradecer". Como diz ele, "meias-solas não atendem as expectativas dos turistas, muito menos servem para o alardeado despertar do Estado para esta atividade econômica". O recapeamento da pista do aeroporto e a recuperação da rodovia Rio-Santos nos trechos de jurisdição estadual são muito bem-vindos, porém, considerando-se que tanto o aeroporto como a rodovia são equipamentos hoje integralmente pertencentes à nossa malha urbana e ao sistema viário local, foram tratados com a conhecida miopia e soberba dos técnicos do Estado em relação a nós, para eles, míseros e despreparados técnicos municipais. Este comentário pode parecer rude, mas por que tratar o aeroporto, cujos limites fazem divisa direta com as calçadas por onde passam crianças, idosos, turistas, ciclistas, utilizando-se cercas altas de arame e moirões de concreto como nos campos de pouso do sertão para evitar que o gado passeie pelas pistas pondo em risco a segurança dos aviões? Por que tratar as rodovias, na prática Avenida Praia Grande, Avenida Toninhas, Avenida Enseada, Avenida Maranduba e assim por diante, como se fossem estradas de ligação no meio de um descampado, utilizando diretrizes, sinalização, fiscalização e acostamentos incompatíveis com o tráfego local urbano, sobrecarregado de pedestres, bicicletas e cruzamentos? Se nos perguntassem antes o que precisamos, diríamos que recuassem a cerca de arame vinte metros para dentro da área do aeroporto em toda sua extensão, que em nada o prejudicaria, fazendo-a baixa, verde e sinuosa, criando reentrâncias com bancos, árvores e pequenos postes de iluminação, implantando ali uma grande e contínua faixa de convivência paisagística que circundaria de maneira agradável o espaço dos helicópteros e dos aviões. Diríamos também que os acostamentos das nossas avenidas rodoviárias poderiam ser recapeados em condições de se transformarem em uma segunda faixa de fluxo em cada sentido para garantia de ultrapassagens seguras, ladeadas por meio fio, calçadas e iluminação para conforto e segurança do cidadão. Isso e não a ruralização de tais equipamentos urbanísticos é o mínimo que o Estado deveria fazer em troca do "melhor perfume que lhes oferecemos", no dizer do Ronaldo Dias.

Vivemos porque queremos sob a "tutela de cabresto que gera a obrigação de agradecer" (RD, texto citado). Na cabeça dos políticos da Assembléia Legislativa (que só nos procuram em época de eleição) e da administração do Estado, ainda fazemos parte de uma anacrônica região geopolítica identificada como Vale do Paraíba e Litoral Norte. Para eles ainda somos um apêndice do Vale. Fingem não saber que recolhemos aos cofres do Estado nestes últimos quarenta anos em pagamento de taxas de saneamento, água e luz uma fortuna que não retornou em investimentos, indo engordar, por pressões políticas do Vale industrializado, os programas de investimentos destinados às prósperas cidades situadas ao longo da Via Dutra, amparadas na frenética busca de indústrias multinacionais. Prosperou o Vale do Paraíba; inchou o Litoral Norte.

Desconhecem que juntos nossos quatro municípios atingem a casa dos duzentos mil habitantes interligados por uma única rodovia. São cidades que se expandem em acentuado processo de conurbação, região portanto, com energia, vida e economia própria totalmente independente do Vale do Paraíba.

Esse descaso demonstra que estamos carentes de uma participação efetiva e organizada da comunidade, sem qualquer tutela do Estado.

Nesse sentido, é oportuno resgatar dois episódios exemplares da história recente de Ubatuba, liderados pela população e que alteraram definitivamente o rumo do desenvolvimento do Litoral Norte. No primeiro liquidou-se a pretensão de instalar no Puruba em pleno regime militar uma fábrica de explosivos. Inconformados com a possibilidade de ver seu tesouro turístico transformado em futuro alvo de belicistas insanos, os ubatubenses foram às ruas gritando, sem perguntar ao prefeito ou aos vereadores se estavam ou não de acordo. Toda a comunidade aderiu. Os protestos contra a prepotência do governo federal e a passividade do governo estadual foram unânimes. O sucesso da gritaria requeria uma organização, criou-se o MDU, Movimento em Defesa de Ubatuba que expandiu e acentuou o caráter popular do protesto, levando a indústria a escafeder-se. Logo a seguir, o mesmo MDU em vista do intenso desmatamento da Serra do Mar, incentivado e financiado pelo governo federal para o plantio de milhares de alqueires de eucalipto, organizou memorável seminário exigindo do Estado providências que impedissem a devastação daquele frágil universo verde, transformado em Parque Estadual em 1977 e até aquela data inteiramente abandonado e negligenciado pelo Poder Público. Figuras importantes estiveram presentes, entre eles os professores Azis Ab Saber e Valverde, geógrafos de renome mundial. O nível dos debates e a maciça presença do público levou o governo do Estado a concluir os estudos que já se arrastavam desde 1979 editando a seguir o decreto do Tombamento da Serra do Mar.

Se por um lado os dois episódios demonstraram a possibilidade da comunidade agir em causa própria mostrando como é possível mudar o rumo das coisas, por outro, a paralisia que se seguiu abriu espaços para a presença crescente do Estado nos negócios dos municípios metendo-se de forma inconstitucional no uso e ocupação do solo, o que explica muita coisa que está acontecendo hoje em nossa cidade.

Vivemos num território municipal cuja natureza é protegida pela União e pelas leis do Estado de forma rigorosa, porém, convenhamos, nem só de mico leão, palmito e caranguejo de mangue é composto o meio ambiente. Os inúmeros diplomas legais falam em desenvolvimento sustentado, o que pressupõe a presença do homem junto à natureza. Presença possível sim, desde que rigorosamente através de novos procedimentos e limitações que precisam ser criados e praticados com extremo senso de justiça porque virão substituir procedimentos tradicionais arraigados no perfil cultural de nossa população.

Antes a devastação descontrolada era sinal de progresso, porém, o extremo oposto não pode ser verdadeiro do ponto de vista do ser humano em suas necessidades materiais, sociais e culturais. O Estado, na visão e na ação de grande parte de seus técnicos, vem dificultando o quanto pode os novos licenciamentos muitas vezes de forma arbitrária, atendendo apenas uma parcela da opinião pública encastelada em ONGs de grande sonoridade política, compostas na maior parte por pessoas que não vivem no município, não tem compromissos com sua realidade social e econômica e para quem a expressão "desenvolvimento sustentado" é apenas uma moldura para a exibição promocional de um cenário natural mantido a salvo, segundo elas, graças aos seus esforços e pressão pública.

Há anos sem uma legislação clara e utilizando-se simplesmente de expedientes burocráticos, os órgãos estaduais assumiram para si a decisão do processo de expansão urbana, de prerrogativa municipal, afugentando investimentos importantíssimos na área do turismo, estimulando com sua omissão a ocupação clandestina das margens dos córregos e encostas da Serra do Mar. A espantosa morosidade do processo conduzido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente nas discussões do Gerenciamento Costeiro, bem como a irresponsável dependência de seus resultados às oscilações políticas internas ocorridas naquela Secretaria ao longo do mandato de quatro governadores do Estado, circunstância que tem acarretado o congelamento generalizado de licenciamentos dos investimentos produtivos, respondem, sem qualquer sombra de dúvidas, pelo crescente processo de sub emprego na cidade e de favelização da Mata Atlântica. Esse retardado processo de discussões culminou há pouco com a edição de um faccioso decreto de Zoneamento Ecológico e "Econômico" que vai enterrar mais uma vez, o futuro turístico e náutico de Ubatuba.

O artigo do Ronaldo Dias aponta para a necessidade de fazermos uma análise crítica do nosso comportamento comunitário.

Será que tudo tem sido culpa dos vereadores e dos prefeitos que elegemos nestes últimos trinta anos? Se a comunidade foi capaz de manifestar-se em determinada ocasião de forma organizada, contundente e efetiva, por que não o faz agora?

Temos um novo prefeito eleito com o compromisso de resgatar a ética, a transparência e a participação ativa da comunidade. O balanço de seus primeiros 100 dias, exceção feita ao compreensível vazio em que foi deixada a questão urbana demonstrou que isso é para valer, revelando um entusiasmo contagiante de seus secretários, tanto na forma objetiva com que relataram as mazelas encontradas, como na criatividade revelada na busca das soluções. E é, justamente a questão urbana que pode ser a catalizadora das energias exibidas pela nova administração no sentido de transformar a cidade, promover a qualidade de vida e programar seu desenvolvimento tendo como instrumento a participação de todos.

Ferramentas para isso existem. O CMD - Conselho Municipal de Desenvolvimento, que estabelece a participação paritária entre a comunidade e o poder público para decisão das questões urbanas, foi criado pela lei municipal 1.103 em 1991, quase dez anos antes de igual exigência instituída pelo Estatuto da Cidade. De acordo com essa lei todas as iniciativas de caráter urbano devem ter a aprovação do CMD, em especial o Plano Diretor, a lei de Uso do Solo, a concessão de espaços públicos para usos particulares que geram direitos adquiridos incompatíveis com o interesse urbano, bem como a instalação de marinas, atracadouros etc.

O CMD funcionou muito bem por um ano, 1992. No início de 93, sob nova administração municipal, funcionou apenas por três meses até que o Secretário de Arquitetura e Urbanismo sentenciou ao Prefeito: O CMD só atrapalha, e pronto. De lá para cá nunca mais foi convocado. Os prefeitos que se seguiram cumpriram mandatos pessoais, limitados ao seu reduzido universo de idéias e sem metas para a cidade. Apostaram no êxito de suas carreirinhas políticas e reeleições, ignorando que as prioridades para tão grandes problemas nascem de decisões coletivas que contam com a participação da comunidade, e que por isso são fortes e sustentadas por todos.

O Conselho de Desenvolvimento deve ser instalado com urgência não só porque é obrigatório por lei municipal, mas porque é um instrumento moderno, democrático e politicamente correto. Bem acionado, retira dos ombros do prefeito o ônus de decisões necessárias que desagradam parcelas eleitorais, impede os maus vereadores de legislar em causa própria e, de quebra, coloca a opinião pública do município no centro solidário dessas decisões. Além do que, resgata também o bom senso.

Já ouvimos falar que o Eduardo César deu início aos procedimentos para sua instalação.

Com a palavra e com a caneta o Sr Prefeito.


Nota do Editor: Renato Nunes é arquiteto e morador de Ubatuba, SP.

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