Essa semana é plena em datas cívicas. Temos o dia do índio (como diz a música: "agora ele só tem o dia 19 de abril..."), relembramos o insurrecto Tiradentes (um dos heróis da pátria) e a Inconfidência Mineira (21 de abril). E temos, também, embora poucos ainda se lembrem disso, talvez só mesmo os estudantes do ciclo básico, o dia do descobrimento do Brasil (22 de abril). Mas será que o Brasil já foi realmente descoberto? O Brasil, enquanto nação, ainda carece de ser descoberto e construído. Os brasileiros precisam, ao menos, desenvolver a consciência de que constituem de fato um povo e precisam construir, em seu íntimo, um sentimento de pertencimento a um território, a uma nação - o que se costumava chamar comumente de sentimento pátrio. Tá até no hino nacional: "Ó pátria amada, idolatrada. Salve, salve!". Do contrário, seremos sempre o que hoje somos: um frágil aglomerado humano - como a visão de um formigueiro onde, ao invés de formigas, vemos homens correndo de um lado ao outro (pre)ocupados apenas com a sobrevivência. Salve-se quem puder. Já se passaram, desde que Cabral por aqui aportou, mais de 500 anos. Os índios, praticamente dizimados e completamente aculturados (para o bem e para o mal), hoje ainda sofrem com a invasão das suas terras pelo homem branco, pelos grileiros, pelos madeireiros e pelos donos do garimpo. Sim, donos do garimpo, pois são estes os grandes algozes, que invadem as reservas e dão o grito para a corrida do ouro e lá vão os garimpeiros (homens pobres, como os índios) executar a rapinagem e destruição das terras indígenas. Os índios, muitos vivendo na mais absoluta indigência, vêem os seus filhos morrerem de inanição. Assim como muitos filhos dos homens brancos que habitam o semi-árido. Mas essa é apenas uma faceta de Brasil que lemos nos jornais ou assistimos na TV. É preciso descobrir o Brasil. Alguns ainda se ufanam, não sem um certo exagero ou despropósito, de sermos brasileiros. Afinal, temos Pelé e Ronaldinho - o "fenômeno". Somos pentacampeões mundiais - rumo ao hexa! "Todos juntos vamos / Pra frente, Brasil, do meu coração". Tivemos Airton Senna e Guga (o tenista) que, embora vivo, já não ganha mais nada. Temos a Daiane dos Santos - orgulho da raça. "Habemos" até um "papável". Sim, ainda temos os nossos heróis! - não um Tiradentes qualquer ou um Zumbi dos Palmares, é claro. Temos ainda a nossa "cidade maravilhosa" com seu Cristo Redentor, onde vez em sempre, na chamada guerra do tráfico, morre um favelado ou mesmo um inocente bem-nascido - só não pode morrer turista estrangeiro porque aí fica ruim para a nossa Balança de Serviços. Não, não temos guerras nem terremotos. Somos um povo pacífico e cordial. Somos brasileiros e "não desistimos nunca". É preciso descobrir o Brasil. Somos também o Brasil dos 111 mortos do Carandiru. De Severino Cavalcanti, Collor, ACM, Jader Barbalho, Maluf e tantos outros. Dos inconvenientes e incontáveis migrantes que afluem como praga aos EUA buscando o sonho - por vezes ingênuo, por vezes fruto de um caricato "arrivismo" terceiro-mundista - de "fazer a América". Os que viajam parecem, simbolicamente e às vezes literalmente, dar as costas ao seu país ("o Brasil que se lixe!" - dizem alguns). Ou teria sido o Brasil que lhes virou as costas? É preciso descobrir o Brasil. Somos o país das incontáveis chacinas - pode ser a da Candelária, pode ser a mais recente com 29 mortos na baixada fluminense ou mesmo dos sem-teto em São Paulo. Também somos o país das quase semanais operações da Polícia Federal (Salve a PF! Salve, salve!), nas quais são presos e processados dezenas de servidores públicos, políticos, empresários - todos cidadãos "de bem", veja bem. O país de uma gritante e vergonhosa dívida social. Um país rico, mas um país de muitos miseráveis: analfabetos, sem-teto, sem-terra, sem nada. O país de um Judiciário caduco e corrompido, onde só os pobres que roubam passarinhos e shampoos são presos. De um Legislativo que legisla em causa própria. Tantas mazelas, mas... temos todos orgulho de sermos brasileiros. Ainda bem que temos, ao menos, o orgulho, mas falta-nos ainda a vergonha na cara. Por isso, repito: é preciso descobrir o Brasil. Urgente. É preciso construir uma nação. Uma nação que seja para todos - não só para uma elite sem-vergonha. Para índios, para brancos, pretos, mamelucos, cafuzos etc. Para os seus filhos tão pobres e cordatos. O resto é ufanismo bobo, vaidade, nacionalismo de arquibancada ou mera propaganda - tão grandiloqüente quanto insustentável. É preciso descobrir o Brasil. Viva o Brasil. (Em tempo: o presidente Lula homologou a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Uns, porém, reclamam porque o fez "tardiamente", outros porque irá prejudicar a economia local. É... tsk... tsk... Como diria o inesquecível Barão de Conserva : "Sim, é preciso mudar as cousas, contanto que não mexam nas cousas minhas". Assim é o Brasil.)
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