"Eu fui ao Gabão aprender como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder" - Lula, após viagem ao continente africano
Como qualquer sujeito de precária inteligência pode perceber, a dispendiosa viagem de Lula a paises do problemático continente africano não tem propriamente objetivos comerciais - embora o Itamaraty informe o contrário. De fato, Nigéria, Camarões, Gana, Guiné-Bissau e Senegal, subjugados por regimes militares e ditadores acusados de fraudes eleitorais e corrupção, são parceiros não apenas inexpressivos como até mesmo despropositados na escala dos negócios de importação e exportação de mercadorias. A República de Camarões, por exemplo, fértil apenas em miséria, savanas e florestas tropicais, com PIB em torno de US$ 12 bilhões, sobrevive em meio a recorrentes conflitos internos sufocada por um renitente ditador disfarçado, Paul Biya, que toma conta do poder desde 1982. A Nigéria, por sua vez, sob o tacão autoritário do general Olesegun Obasanjo e escorada em limitadas reservas de petróleo, já enfiou na Pátria Amada um pepino de US$ 5 bilhões por conta de crescente déficit na balança comercial, visto que o país africano vende o que tem, mas vive sempre protelando a compra de produtos brasileiros. Gana (terra de Kofi Anann, o bem engomado secretário-geral da ONU), Guiné-Bissau e Senegal, seguindo o mesmo modelo, em que pesem os sucessivos empréstimos do FMI, são palcos de permanentes conflitos pelo poder, vivenciando a cadeia monótona de golpes militares, seguidos de renovadas promessas e os inúteis planos governamentais para redução da pobreza. Como se diz no Paraguai, a propósito do jeito que pessoas e países encontram para sobreviver, "a cada uno, cada uno" (a do país vizinho é o contrabando). Muito bem: se as viagens de Lula pelo continente africano não têm fins negociais e de enriquecimento da balança comercial, qual é, afinal, o babado da política externa nacional? Por que o governo do PT enfia de forma sistemática e progressiva o suado dinheiro do povo brasileiro nos desvãos dos insolventes paises do Terceiro Mundo, pródigo em calotes, repúdios e protelações de reconhecimento de dívidas? O babado é o seguinte: a diplomacia de Lula quer tomar assento na cadeira permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, a ONU, não medindo, para atingir tal objetivo, os pesados gastos no aliciamento de votos de paises subdesenvolvidos e, o que é pior, a assunção de compromissos externos não apenas descartáveis como sobejamente desaconselháveis. Pois se de um lado sabe-se que ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU custa dinheiro (muito acima dos US$ 28 milhões anuais pagos pela chancelaria brasileira, tendo em vista os gastos com "missões de paz" e o envio de tropas como as que foram feitas, por exemplo, ao Haiti, com orçamento acima de US$ 100 milhões), por outro lado se tem como certo que a veleidade de "influenciar efetivamente os destinos do mundo" - em especial quando são mínimas as condições de segurança aqui mesmo, no Brasil - significa o ingresso fatal num universo ostensivamente bélico, dispendioso e quase sempre banhado em sangue, suor e lágrimas. Mas, se assim é desenhada a condição de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, por que a diplomacia de Lula quer ingressar na problemática hierarquia de um organismo considerado por muitos como inoperante e desmoralizado, cujo secretário-geral, ou pelo menos seus familiares, são tidos como agenciadores privilegiados a partir de informes vazados de dentro da própria organização? A resposta está em que nações comunistas (ou anti-ocidentais) pretendem, dentro do jogo bruto de "correlações de forças" que acode o cenário mundial, reabilitar a antiga proposta de formação de um pólo "hegemônico", na qual o Brasil, a reboque da China, país também de proporções continentais, tenha condições de, ao ocupar em caráter permanente o Conselho de Segurança da ONU com direito a veto e outras prerrogativas, ajudar a encurralar os Estados Unidos da América, apesar dos pesares, símbolo da democracia ocidental por excelência. Vem daí, por conseqüência, as permanentes viagens dos políticos e membros do governo ao país comunista, a compra de centenas de aviões da Embraer pela China e os acordos de toda natureza com o governo de uma nação totalitária que hoje adota o esquema maquiavélico de "um país, dois sistemas", com o objetivo longamente articulado de se impor como a nova "potência hegemônica" mundial. Não se trata aqui de nenhum delírio nascido da teoria da conspiração. O próprio Aluísio Mercadante, atual líder do governo Lula no Senado, assegurou, alto e bom som, em 2002, que "as alianças com a China, a Rússia... são importantes para fortalecer uma possível coalizão anti-americana". O problema básico de tal esquema de poder mundial é que, na ordem prática das coisas, sem nenhuma ambigüidade interpretativa, o Brasil e os brasileiros nada ganham com o ambicioso "negócio da China". Como se sabe, o maior país do continente asiático, para atingir os objetivos da cúpula do poder, impôs no plano econômico interno um monstruoso sistema de exploração de trabalho semi-escravo e, no plano político, o mais brutal sistema de repressão das liberdades políticas e individuais, cuja dolorosa eficiência, vista de forma comparativa, faz do ditador cubano Fidel Castro um paladino das liberdades e do respeito aos direitos humanos. Voltaremos ao assunto, mas é curioso assinalar que o primeiro-ministro Wen Jiabao, na disputa pela cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, deixou transpirar que o voto da China é da Índia. É a nossa salvação. Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.
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