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Crônicas
23/04/2005 - 17h03
O universo de Borges
Pedro J. Bondaczuk
 

O universo de Jorge Luís Borges, com seus labirintos, tigres e espelhos, entre outros maravilhosos ingredientes com que tece nossos sonhos de deslumbrados leitores, é um dos que mais satisfação me dão em devassar. Embora seus livros tenham sido escritos para serem lidos, obviamente, (apesar de muitos, da maioria dos "escrevinhadores" contemporâneos, não serem legíveis e não passarem de exercícios de vaidade e fatuidade desses autores) conferindo-nos, aos que os devoramos com voracidade, um papel mais nobre do que o da mera leitura - o da co-autoria das obras no ato da sua interpretação - me sinto um intruso ao percorrer cada meandro da sua mágica literatura. Mormente dos seus contos.

Trata-se de um escritor com o qual sempre tive profunda afinidade, de alguém a quem "invejei" por haver atingido o "cume da montanha" que há tanto tento escalar e da qual me encontro ainda na base, na periferia, nos arredores olhando deslumbrado sua altura, namorando o pico, disposto a empreender a escalada sem medir o esforço necessário e nem atentar se tenho ou não capacidade, competência e energia para a empreitada.

Borges (não na política, óbvio, mas apenas na literatura) é o meu modelo, meu paradigma, meu referencial, meu guru na difícil e nem sempre compensadora tarefa (ou seria mania?) de escrever. Como ele, desejo ser simples nos meus textos, compreensível pela generalidade - já que a totalidade seria impossível - das pessoas, sem descambar para a infantilidade. Como ele, pretendo semear sonhos, como um exímio prestidigitador. Como ele, quero sentir alegria, prazer, satisfação em escrever.

A esse respeito, Borges afirmou em seu livro "Elogio da sombra - um ensaio autobiográfico": "...O beletrismo é um equívoco e um equívoco nascido da vaidade. Acredito firmemente que a boa literatura deve ser escrita com modéstia". Esta simplicidade, todavia, não implica em desleixo com a linguagem. Não significa se descuidar das regras ortográficas e gramaticais. Não admite empolação ou falsa erudição. Muito pelo contrário.

Escrever bem, conforme o meu conceito, é comunicar-se, com precisão e correção. É estabelecer uma espécie de cumplicidade com o leitor e prender de tal sorte a sua atenção, a ponto de conduzi-lo para onde pretendermos que ele siga. Raros escritores que conheço têm esse dom. Entre os latino-americanos destacam-se Gabriel Garcia Marquez e Mário Vargas Llosa, embora haja, evidentemente, outros. Mas poucos.

Daí a minha opção pela crônica. É, ao mesmo tempo, jornalismo e literatura ou, na pior das hipóteses, uma ponte entre ambos. Nesse gênero sinto-me à vontade e minhas limitações culturais não aparecem tanto. O que pretendo, com esse exercício, é "conversar" com as pessoas sobre tudo o que me cerca, sobre minhas reminiscências, minhas experiências, minhas opiniões e meu mundo.

Imagino as respostas de cada um dos leitores (que não sei nem quantos são e muito menos quem), dou-lhes feições ao sabor das minhas fantasias, coloco em suas bocas palavras de aprovação ou de reprovação às idéias que exponho, retruco, acrescento, me retrato, simulo diálogos, embora me restrinja ao monólogo. Divirto-me. Escrever dessa forma me dá prazer.

À medida que envelheço, entendo cada vez mais que as coisas realmente importantes são as que não aparentam ter importância. É o cotidiano. É a rotina. São as pequenas e em geral anônimas manifestações de simpatia diárias representadas pelo sorriso de uma criança, pelo cumprimento de um vizinho, pelos espontâneos gestos de cortesia nos ônibus, nos elevadores ou na rua de pessoas absolutamente estranhas. É a "escalada do cume" de cada dia.

Essa expressão é "emprestada" de Borges. Mais especificamente do poema "James Joyce" que diz: "Num dia do homem estão os dias / do tempo, desde aquele inconcebível / dia inicial do tempo, em que um terrível / deus prefixou os dias e agonias / até aquele outro em que o ubíquo rio / do tempo terrenal torne à sua fonte / que é o Eterno, e se apague no presente, / o futuro, o ontem, o que agora é meu. / Entre a alva e a noite está a História / universal. Do fundo da noite vejo / a meus pés os caminhos do hebreu / Cartago aniquilada, Inferno e Glória. / Dá-me, Senhor, coragem e alegria / para escalar o cume deste dia".

Faço minhas estas palavras. Transformo-as em prece de cada alvorecer. Faço delas um dístico, um lema, um slogan em minha vida. "Dá-me, Senhor, coragem e alegria para escalar o cume deste dia". Dá-me sabedoria e humildade para alegrar, orientar e trazer esperanças a conhecidos e estranhos, a amigos e inimigos, às pessoas que amo e às que nunca conseguirei amar...


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor.

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