Um dia eu estava em uma padaria pela manhã, quando dois jovens aparentemente pedreiros entraram e pediram: – Dá duas branquinha. O balconista está servindo e ia espremer o famoso limãozinho quando o mais novo diz: – Limão não! Tá me dando uma queimação danada no estômago... Caracas, o sujeito toma um copão de cachaça as 8 da manhã e o que está queimando, o que está fazendo mal é o limão? Hoje a mais de 600 km de distância das salas em que lecionava ainda me lembro com saudades de algumas aulas. A primeira aula de história de cada turma por exemplo, quando eu pedia para os alunos algumas definições de história. Não descarta nenhuma, apenas dizia que história também era a versão do opressor. Nisto eles faziam aquela cara de dúvida. “Ah?”. Então para exemplificar eu perguntava: – Como se chamou o evento acontecido no último ano do século XV, quando aportaram no continente americano as caravelas de Pedro Álvares Cabral? Alguns ficavam em dúvida; “último ano do século XV?”. Pois é 1500 foi o último ano do século XV, 1501 já é século XVI. Mas quando falava sobre Pedro Álvares Cabral, muitos para meu alívio se tocavam, e outros para meu desespero continuavam sem entender chongas, até que alguém responde: – A descoberta do Brasil! Concordava com eles, este evento é mais conhecido por este título, mas emendava que também pode ser visto como a “Invasão do Brasil”. Afinal de contas quantos índios vieram com Cabral? Mas este artigo não tem a ver com este tema, então vamos voltar a Cana. Quando algum assunto esbarrava na questão da cana, como por exemplo os ciclos econômicos do Brasil colônia, para variar eu contextualizava, e entre as várias formas eu perguntava se eles notaram como os alimentos vem subindo. E para aqueles que costumavam viajar pelo interior do estado, o que eles viam em geral. Pois o que temos assistido nas últimas décadas é o avanço da cana. Nem pasto, nem café, nem laranja, feijão, área de preservação ambiental então; piada. Bom acontece que ao pensar sobre o que plantar, a lógica do capital leva obviamente o produtor a escolher a cultura de menor risco e maior resultado financeiro, levando a uma competição direta entre a mesa e o tanque de combustível, quem pagar mais leva. Mas isto é o que eu via até então morando na grande metrópole, agora vivendo no interior constato que a realidade é ainda pior. Em uma palestra realizada para alunos do ensino médio, notei que apesar de a cana ocupar quase que a totalidade das terras, menos de 20% dos alunos tinham o sustento de suas famílias vindo dela, seja nas lavouras, nas usinas ou em outros serviços indiretos. A cana não distribui renda e para piorar acaba com o solo, como se isto não bastasse ela eleva o custo de vida mesmo nas cidades do interior, pois se antes boa parte da produção de alimentos era local, agora é só cana, o resto acaba vindo de longe e em geral os preços acabam ficando até mais altos que nas grandes cidades por causa da sua maior entropia. Em outras palavras as grandes cidades têm mais gente, mais capital e por isto atraem para si mais recursos e a menores preços, recursos estes que são tirados exatamente de onde há menos. E o que isto tudo bem a ver com a conversa da padaria? Bom, na batida que os dois vão acho que não terão problemas, vão para o posto de copo na mão e tudo bem. Quanto ao limão, bom esta não vai ter, mas limão para que? Dá uma queimação danada não é? Nota do Editor: Paulo Sanda, teólogo, palestrante, associado da ONG RUAH, é um dos coordenadores do Portal Palavra Aberta (palavraaberta.com.br). Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)
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