Agora a gente não se guarda mais para quando o carnaval chegar. Guarda e estoca coisas para quando o carnaval passar. Como as coisas mudam, não? Antes, falávamos em encher os canecos, e estávamos nos referindo ao chopp e à cerveja. As marchinhas hoje ganharam novos sentidos e vamos precisar por algum bloco na rua para que sejam ouvidas. Esse texto espera que você lembre as melodias para a gente passar na avenida Mas não é só isso. Pensa só. Antes pensávamos em máscaras de carnaval, e elas eram lindas, luxuosas – “Na mesma máscara negra / Que esconde o teu rosto / Eu quero matar a saudade / Vou beijar-te agora / Não me leve a mal / Hoje é carnaval”... Agora a gente está vendo são máscaras com a fuça desses uns e outros feios desajeitados que escorregam no ouro negro, saqueado até antes de chegar a jorrar; ou tem de ver os meninos que já andam mascarados para fazer as arruaças que os divertem e deixam rastros de destruição. Podíamos até compor uma marchinha para os blackbobocas, os estraga-passeatas. “A estrela d'alva no céu desponta / E a lua anda tonta com tamanho estupor”... ou “Seus panacas, seus panaquinhas, a polícia te pega, olha que a polícia te pega. Vem cá, seu bobo”... Não quero deixar ninguém deprimido que sei que carnaval aqui no Brasil pra muita gente é igual à religião, só não sei se ainda dá pra cantar livremente “Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô, Mas que calor ô ô ô ô ô ô / Atravessamos o deserto do Saara / O sol estava quente / Queimou a nossa cara / Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô / Mas que calor ô ô ô ô ô ô”. Melhor perguntar antes, sem brincar com a burca de alguém. Para não dizerem mesmo que quero estragar a festa, aderi e andei recolhendo uns trechinhos superlegais e que você vai lembrar na hora. Tá, tá bom, fiz algumas modificaçõezinhas numas, mas certamente os autores me perdoariam, afinal, tudo é Carnaval. Nem vem também com a bobagem de dizer que São Paulo é o túmulo do samba. Aqui a gente não atravessa o samba. Atravessa ciclovias. Não pulamos carnaval. Pulamos buracos de rua e nosso cordão, se der bobeira, o pivete arranca. “Ela critica o meu trabalho e até debocha, Eu sou pintor e ganho a vida com a brocha, Vivo pintando, o que não é nada demais. É à custa desta brocha, que ele faz o seu cartaz...” cantarola o prefeito (A Marcha do Pintor). “E o cordão dos puxa-sacos / Cada vez aumenta mais (bis) / Vossa Excelência / Vossa Eminência / Quanta referência nos cordões eleitorais! / Mas se o 'Doutor' cai do galho e vai pro chão / A turma logo evolui de opinião / E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais...” Tá bom, o Brasil é maior que isso. “Ei, você aí / Me dá um dinheiro aí / Me dá um dinheiro aí! / Não vai dar? / Não vai dar não? Você vai ver a grande confusão”... E para o governo novo e acontecimentos que nos cercam, “Eu sou o pirata da perna de pau / Do olho de vidro, da cara de mau / Eu sou o pirata da perna de pau / Do olho de vidro, da cara de mau”... Lembrou da Petrobras? Tenho sugestões de cantilenas. “Acorda, Maria Bonita / Levanta, vai fazer o café / Que o dia já vem raiando / E a polícia já está de pé”... Ou: “Ai, a bruxa vem aí / E não vem sozinha / Vem na base do saci. Pula, pula, pula / Numa perna só / Vem largando brasa / No cachimbo da vovó”. “Bandeira vermelha, amor / Não posso mais pagar a luz”... Acaso já recebeu sua conta de luz nova, agora com sinalização? Pois bem, a bandeira vermelha começa a sacolejar e a gente que fica que nem maluco pulando de um lado a outro apagando tudo, sassaricando. “Sas-sas-saricando / Todo mundo leva a vida no arame / Sassassaricando pego o arame para fazer um gato...” “Eu mato, eu mato, Quem roubou minha cueca pra fazer pano de prato”... Cai, cai, cai, cai / Eu não vou te levantar / Cai, cai, cai, cai / Quem mandou escorregar? Acende a vela Iaiá, Acende a vela, que a Light cortou a luz / No escuro eu não vejo aquela carinha que me seduz”. Nada mais atual, ainda, do que essa aqui, que a gente nem precisa aperfeiçoar: “Tomara que chova / Três dias sem parar / Tomara que chova / Três dias sem parar. A minha grande mágoa / É lá em casa / Não ter água /Eu preciso me lavar / De promessa eu ando cheio”. “Quando eu conto a minha vida / Ninguém quer acreditar / Trabalho não me cansa / O que cansa é pensar / Que lá em casa não tem água / Nem pra cozinhar”. Jakson do Pandeiro continua: “Tá chuchu beleza, tá chuchu beleza / Como tem mulher neste arrasta-pé, Tá chuchu beleza!” “Lata d'água na cabeça / Lá vai Maria, lá vai Maria / Sobe o morro e não se cansa / Pela mão leva a criança / Lá vai Maria”... Mas eu queria cantar mais uma com você: “Chegou a turma do jatão / Todo mundo rouba, mas ninguém dorme no ponto / Ai, ai ninguém dorme no ponto / Nós é que nos ferramos e eles que ganham muito”. “Eu tô só vendo, sabendo, Sentindo, escutando e não posso falar... Tô me guardando pra quando o carnaval passar...” São Paulo, fevereiro, 2015, inacreditável! Nota da Autora: Marli Gonçalves (marligo@uol.com.br) é jornalista – Andando pelo mundo das marchinhas, achei esta, e adaptei para meu nome – virou Marlicota e fico bem mais bonitinha. “É a Marlicota com a direita / é a Marlicota com a canhota / é a Maricota com a direita / é a Marlicota com a canhota. Embodocou a minha vara, Marlicota / Veja que tamanho que tá / Embodocou a minha vara, Marlicota / Veja que tamanho que tá”. Fonte: marligo.wordpress.com.
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