A única imagem que me ocorre no momento é a de que a vida é uma espécie de longa, longuíssima maratona. Você sabe como os atletas preparam-se para uma maratona? Eles fazem exames médicos, procuram roupas e sapatos adequados, estudam as regras da corrida, formam um pequeno grupo para treinar junto, contratam um treinador, passam anos e anos a acordar cedo e a aprender a correr. A vida real, não a ideal, é mais ou menos assim. Sempre - e para tudo - é preciso ter boa saúde. Imagine que você só pode ser um(a) gari. Certamente terá que possuir uma boa saúde para levantar os sacos de lixos, correr atrás de um caminhão em movimento, depositar o saco, voltar a apanhar novo saco e depositar. Se você não tiver boa saúde e agilidade física, você não poderá ser gari. Imagine ainda que você consegue ser empregado(a) de uma farmácia. Aí a coisa complica um pouco mais, pois além de passar o dia todo de pé, o que exige um bom preparo físico, ainda terá que sorrir para os clientes, decorar nomes de remédios, saber para quais doenças servem e entregar uma ficha com o seu nome na hora da venda. Se, ao final do mês, a quantidade de fichas e os valores dos remédios forem compatíveis com o que determina a direção, você fica. Caso contrário, será despedido(a). Sendo você mais ambicioso(a), não desejará ser gari ou balconista de loja. Digamos que deseje fazer um curso superior sério. Aí vai precisar estudar regularmente, escolher a profissão que mais se assemelha ao seu jeito de ser e tentar um vestibular. Estudar regularmente, quer dizer estudar sempre e com um certo método. Trocando em miúdos: é acompanhar o que dizem os professores, anotar os pontos essenciais de suas aulas, conferir nos livros e reter essas informações na memória para uso posterior. A dúvida na escolha da profissão é cruel, pois somos jovens e indecisos à hora de fazer um vestibular. Há tantas carreiras charmosas e a que escolhemos sempre nos parece a mais chata e a que exige uma maior dedicação. Não é verdade. Todas as carreiras exigem a tal da regularidade no estudo e perseverança. A perseverança é a coragem de ir em frente quando temos vontade de mandar tudo para as cucuias. É deixar de ir àquela festa ou àquele banho de mar ou rio e meter a cara nos livros, enquanto o nosso irmãozinho menor fica nos azucrinando o juízo pedindo para consertar a sua velha bicicleta, que já foi nossa. O vestibular é uma espécie de hall de entrada da vida, um vestíbulo, em que os espelhos das paredes refletem se estamos adequados para entrar. Essa adequação é o que sabemos e temos retido, de forma sistemática, na nossa memória. Dessa forma, o vestibular é um exercício de memória, a contraprestação do que temos aprendido, sem esquecer dos outros maratonistas que estão ao nosso lado. Todos correm na mesma direção, a da passagem pelo átrio, para entrar na primeira experiência como quase adultos, que é o estudo superior. Ora, se é superior, certamente é porque nos exigem que sejamos acima da média. Se ficarmos na média, estaremos no limbo, que é aquele espaço entre o céu - ou a felicidade - e o inferno - ou a infelicidade. Ninguém deseja ficar no limbo. Para isso é preciso estudar, estudar sempre e com método. Mas, um dia, estamos cheios de tudo, e resolvemos, por exemplo, dar um tempo à universidade e tentar viajar, conhecer determinado lugar, longe do aconchego de nossa casa, onde os chatos dos pais, apesar de serem chatos, nos apóiam, dão o dinheiro da mesada e, se tivermos sorte, muita sorte, aquele carrinho que nos abona uma sensação incrível de liberdade. Pena que a gasolina seja cara e os radares do trânsito nos obriguem a frear a nossa vontade de correr. Na vida há também muitos radares. Então, estamos naquela de viajar, mesmo que a nossa mãe roa as unhas e o nosso pai desaconselhe. Eles são caretas e não entendem a nossa cabeça. Apesar disso, fazem perguntas que nos deixam chateados: sabemos corretamente a língua do país para onde imaginamos ir? O clima de lá é parecido com o nosso? Os costumes e as tradições se ajustam ao nosso jeito de ser? Se você quer estudar uma língua por que não estuda aqui? Tem dinheiro para se sustentar? E se ficar doente ou sofrer um acidente? Acontece que o desejo de aventura é grande. Se o desejo de aventura é grande, lembre-se da maratona. Siga o exemplo dos seus praticantes que levam anos e anos praticando em grupo, com um treinador dedicado e tendo uma saúde de ferro. Depois de responder sim ao que a razão pede como resposta, certamente você estará pronto(a) para viajar e iniciar a sua maratona real pela vida, pois os pais são apenas improvisados treinadores. Quem viaja deve saber o que disse Shakespeare, na peça Como gostais: "Um viajante! Pois tendes razão de sobra para serdes tristes, receio muito que houvésseis vendido vossas terras para ver a dos outros." Ora, neste mundo de hoje, não há mais muita terra a vender, mas há o carrinho que a mãezona nos deu. Vendemos o carro, viajamos para o lugar que não conhecemos, para falar a língua que não sabemos e estamos a pé, defronte para a realidade. Olhando para a terra dos outros, esquecendo a nossa.
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