O que é a vida senão um varal esperando o vento para secar a roupa encharcada dos dias e noites? O varal é o ser humano estendido na sua existência, um fio frágil que se distende de um ponto a outro, do nascimento à morte. O cordame do varal é a linha tênue da existência, da vida de cada ser, balançando ao vento de cada instante. A vida é suor, é chuva, é lágrima, é rio que escorre nas veias e no olhar. Mas nada encharca dentro de cada um porque há o varal do refazimento. A lágrima no lenço de saudade, de adeus ou de despedida, é estendida no varal para secar até que chegue a próxima tempestade. A roupa do dia a dia é lavada e depois levada ao varal. Bem assim ocorre com a vida. Quando está encharcada é preciso que seja refeita para permanecer. O varal se estende silencioso entre duas balizas. Dia e noite, debaixo do sol e da lua, e ele ali esperando que uma parte da vida vá ser estendida. O varal também é limite, é fronteira. O que era antes já não será mais do mesmo jeito depois de colocado no seu cordame. O varal nunca é avistado antes que alguma coisa precise ser nele estendido. Mas basta um lenço balançando à ventania e tudo parece tão vivo e pulsante. Se não há nada para enxugar, o vento apenas passa no varal. O cordame é firme e não se balança com o sopro, mas diferente ocorre quando algo ali é estendido. Ao avistar algo molhado, sofrido, encharcado, o vento parece se apressar para tentar diminuir aquela feição. Então afaga, acaricia, abraça com seus braços aquecidos. Então o que parecia um rio estendido, uma correnteza voraz, logo começa a diminuir sua correnteza até parar de escorrer. Eis a transformação. Com a ajuda do vento, o varal tem o dom da transformação. Com a força do sopro do vento, o varal pode transformar a própria vida. O varal seca a lágrima, seca o sofrimento, seca o que nele for estendido encharcado de agonias e aflições. E seca para tudo retornar ao estado de antes. O varal parece transformar o velho em novo, dá sempre outra feição ao que padecia das imundícies da alma. Tudo se torna leve e suave. A vida humana precisa sempre de um varal ao redor. Basta observar a leveza em que é transformada uma roupa que ali chega molhada, pesada, respingando. A vida humana precisa ser estendida no varal, precisa tornar-se leve, limpa, saudável. Precisa ser soprada pela ventania e purificada pela força do sol. O próprio ser humano bem que poderia se estender no varal de vez em quando. Deixaria que suas lágrimas secassem e seus encharcamentos ruins serem expurgados. O ser humano estendido em varal, à mercê do vento, à mercê do sol ou da lua. E aquele peso insuportável se tornando leve, até bailar num sopro mais forte. Que imagem necessária de ser vista a do homem no varal. De braços abertos, pernas estendidas, e ele sendo apenas o que permitam as forças silenciosas. Mas o homem é egoísta demais, é vaidoso demais para se reconhecer necessitado de um varal. Ali coloca sua roupa e o seu lenço, imaginando ser o bastante. Precisaria ser além do que veste, necessitaria ser muito além do que pensa que tem e que é. Mas a verdade é que nem um varal de ferro suportaria o peso de alguns. O homem balançando ao vento seria o próprio retrato daquilo que ele realmente é, apenas uma folha frágil em outono de ventania. Mas eis que o varal permanece estendido no quintal. E o vento espera somente seu instante de sopro. Mas por que o homem sempre sai pela porta da frente? Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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