Há pouco, completamos 100 dias do segundo mandato do Governo da Presidente Dilma Rousseff. Não foram dias fáceis nem para a Presidente, tampouco para o seu partido, o PT. Foram, nas contas da maioria da população, mais equívocos e sentimentos negativos do que acertos e aceitação da situação em voga. As pesquisas de popularidade colocam Dilma num baixíssimo patamar, tendo ampla rejeição nas mais diversas camadas da sociedade brasileira, seja por qual ângulo considerarmos: renda, escolaridade, gênero, idade ou região do país. Existe a tese de que o brasileiro não costuma ter memória acerca de sua história. Tal postulado até pode ser verdadeiro, mas não pode ser, sempre, considerado, sobretudo, quando se trata de eventos tão recentes, como seu na campanha de 2014 e nas eleições presidenciais. Num feito ousado, o marketing político que serviu ao PT e à Dilma acabou por inverter a lógica da disputa. Era esperado que os candidatos de oposição – Marina Silva e Aécio Neves – fossem atacar os quatro anos de mandato de Dilma e, com isso, colocariam a candidata à reeleição na defensiva. Contudo, presenciamos o contrário: Dilma partiu para o ataque – como se oposição fosse – e colocou tanto Marina quanto Aécio nas cordas. Sob o eufemismo de “desconstrução da imagem” do adversário, o que se viu foi uma ação virulenta de destruição de Marina, em primeiro lugar; e, depois, Aécio, no segundo turno. A tática deu certo. Dilma foi reeleita, mas numa disputa apertada e deixou, por assim dizer, a sociedade brasileira ferida, fraturada. Tal fato seria – e foi, ulteriormente – cobrado: o que foi dito em campanha não se aplicou na prática de governo. Ou, melhor dizendo, tudo o que Dilma havia acusado em seus adversários acabou por realizar em suas ações, tão logo reconduzida ao cargo. Até mesmo os acertos foram ironizados. Escolheu, por exemplo, Joaquim Levy, para Ministro da Fazenda. Um nome deveras respeitado em seu meio, no entanto, com ideais mais próximas do PSDB do que do PT, partido vitorioso. Com um enorme ministério – 39 ministros – a presidente não conseguiu trazer notáveis para a gestão das pastas. Na maioria, são indicações políticas e sem respaldo técnico ou intelectual para o ofício de Ministro de Estado. Não faz muito, seu Ministro da Educação, Cid Gomes, numa peleja verbal dentro do Congresso Nacional, acabou sendo demitido. O novo ministro, Renato Janine Ribeiro, um professor universitário e intelectual público, foi recebido com entusiasmo, especialmente, pelos que transitam no universo acadêmico. Ribeiro, pouco antes de ser indicado ministro, havia tecido críticas à política econômica da Presidente Dilma e, também, de sua postura autoritária em não conseguir delegar poder aos seus ministros. Já empossado, Ribeiro afirmou não ter aderido ao governo e sim se encontrar numa posição de buscar solucionar parte daquilo que havia criticado. Veremos os desdobramentos de sua gestão. Se já não fosse um ministério hipertrofiado e sem luzes, os problemas pulularam no Congresso Nacional – seja na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Os presidentes destas casas Eduardo Cunha e Renan Calheiros, Câmara e Senado, respectivamente, não pouparam o governo de ácidas críticas, bem como de imprimir derrotas ao Planalto em votações no parlamento. Dilma, em sua postura centralizadora, optou por delegar a articulação política a Pepe Vargas e Aloízio Mercadante, ambos do PT. Problemas emergiram quando, após acachapante derrota para a eleição da presidência da Câmara, os deputados, sobretudo do PMDB, faziam chistes com os nomes de Vargas e Mercadante. O Vice-Presidente, Michel Temer, por sua vez, também do PMDB, foi excluído do núcleo duro do poder que assessorava Dilma. Vejam o cenário: Cunha e Calheiros batendo forte e Temer insatisfeito e menosprezado. Não faz 24 horas, Dilma acabou por atender os anseios de Lula e quis passar a articulação política – função de Pepe Vargas – para outro ministro do PMDB, Eliseu Padilha, que atua à frente do Ministério da Aviação Civil. O movimento de Dilma vazou para a imprensa e, ao que se sabe, tanto Cunha e Calheiros informaram a Padilha que não entendiam como positiva a indicação dele para assumir a articulação política. Neste cenário, Padilha recusa o convite e permanece onde está; Pepe Vargas acaba desprestigiado e, por fim, a articulação política ficará a cargo do Vice-Presidente, Michel Temer. Pois é, o mesmo que, há meses, tinha sido excluído das reuniões junto à Presidente. Se Temer não operar bem sua função de articulador não pode ser demitido e sua eventual substituição aumentaria a temperatura, que já não é baixa, no PMDB acirrando ainda mais a crise. O pobre Pepe Vargas foi realocado para outra pasta, a de Ideli Salvatti que, provavelmente, presidirá os Correios... E, por fim, não nos esqueçamos das manifestações de ruas. A histórica que se deu em 15 de março e a próxima, agendada para dia 12 de abril. Mesmo que essa última não reúna a enorme massa como se deu no mês passado, a sua própria existência já é incomodo e desconforto suficiente para o Planalto. E Lula, onde está? Ah... este, permanece quieto, ou, então, falando para plateias controladas, onde não toma vaias e consegue resguardar sua imagem política para uma possível volta em 2018. Como se depreende, ainda que de forma panorâmica, deste escrito, esses 100 primeiros dias de governo de Dilma Rousseff podem ser, sem exageros, considerados o seu maior inferno astral, no caso da crença em horóscopos. Mesmo na tentativa de reagir às manifestações de ruas e usando – e abusando – da palavra “diálogo”, o governo se esquece de que, para dialogar, devemos ter um assunto e os assuntos cotidianos: compras nos supermercados, contas a pagar, gasolina, energia elétrica, inflação etc. são temas assaz indigestos ao governo, mas, principalmente, para os que sentem nos bolsos a situação do país. Se esses 100 primeiros dias são, apenas, um aperitivo, é de assustar o que vir a ser o prato principal. Nota do Editor: Rodrigo Augusto Prando é Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia. Professor e Pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
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