Causa estranheza a intenção da Prefeitura de São Paulo de tirar as cooperativas de ônibus do transporte público e admitir somente empresas do tipo Ltda. ou S/A. Não é o modelo de empreendimento o entrave para a melhoria do sistema. O problema ainda está na gestão e na forma de prestação dos serviços. Há falhas na fiscalização e faltam controles mais eficazes, como evidenciou o relatório da auditoria terminada recentemente. Foi na própria administração do PT, há pouco mais de dez anos, que se formou a maioria das cooperativas de transporte de passageiros em São Paulo. A cidade vivia o caos. Não tinha ônibus o suficiente para atender moradores de bairros mais distantes, o que abriu passagem para o transporte clandestino. Peruas e vans, no afã de carregar mais passageiros, disputavam desordenadamente os espaços da cidade com as empresas de ônibus. Disputas que, por vezes, viraram duelos, com acidentes de trânsito e mortes. Toda uma situação gerada porque a cidade crescia em suas extremidades sem a contrapartida do transporte. Daí a atitude interessante da Prefeitura, na época com Marta Suplicy, de promover uma licitação que aceitasse a participação de “perueiros” formalizados em cooperativas. De clandestinos a microempresários, os motoristas investiram no novo negócio para prestar melhores serviços à população. Passados estes dez anos, os cooperados hoje possuem bom nível de qualificação profissional, percorrem a cidade agora com mini e micro-ônibus, suas cooperativas têm garagens e sedes próprias, mecânicas de manutenção e até encarroçadora de ônibus. Evidente que o transporte da capital ainda não é satisfatório. A Prefeitura está certa em querer promover mudanças, principalmente porque a cidade não para de crescer na periferia. Hoje, as cooperativas, apesar de custarem menos à Prefeitura, transportam a mesma quantidade de passageiros das grandes empresas de ônibus, se compararmos o transporte médio por veículo. A incoerência está na proporção: as cooperativas operam com menos e menores veículos (6 mil mini e micro-ônibus contra 8 mil ônibus e articulados das empresas) em áreas de grande densidade populacional. Parece que a intenção é frear o avanço das cooperativas. Não se consegue autorização, por exemplo, para substituir os atuais micro-ônibus por carros maiores. Por isso, grande parte das linhas operadas pelas cooperativas é lotada. O que não pode, e não se justifica, é querer tirar as cooperativas do jogo. Enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) institui um Ano Internacional das Cooperativas para promovê-las como modelo econômico que mais gera benefícios sociais; enquanto a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) incentiva o modelo como mais sustentável para o desenvolvimento das comunidades; em São Paulo pensa-se na substituição das cooperativas por empresas que concentram renda. Permita-me, prefeito Haddad, assim vamos na contramão de uma sociedade mais justa, de um mundo melhor. Talvez falte conhecimento. As cooperativas são empreendimentos de propriedade coletiva e gestão democrática, onde os donos são os próprios trabalhadores. Seu modelo de funcionamento, que não permite caixa dois, é um importante meio de arrecadação para os investimentos públicos. Nas cooperativas, não há a intenção do lucro, da concentração de renda nas mãos de poucos. Pelo contrário, elas distribuem a receita de forma proporcional ao serviço realizado por cada cooperado. Contribuem, então, para diminuir a desigualdade social e movimentar a economia, sendo instrumento essencial para qualquer governo. Substituir cooperativa por outro tipo de empresa é, portanto, um desserviço à sociedade, um contrassenso para o nosso país. Uns divulgam que elas têm ligação com o crime organizado; outros afirmam que geram despesas trabalhistas para os cofres públicos. Mas qual empresa não gera problemas trabalhistas? Qual empreendimento não está sujeito a manobras escusas? Agora mesmo, estamos sendo estapeados diariamente por escândalos cada vez mais engenhosos em empresas públicas e privadas. O que precisa é melhorar os controles administrativos, investigar indícios de fraude e, com provas, punir de maneira exemplar a autoridade, o empresário, dirigente de cooperativa, seja lá quem for. As cooperativas têm condições, sim, de crescer com suas próprias pernas. Só é preciso que as deixem trabalhar. No caso do transporte público de São Paulo, as cooperativas, com todo direito, podem participar diretamente das licitações ou por meio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), formato que deve prevalecer no próximo certame. Mas se arranjarem um jeitinho de excluir as cooperativas, o transporte vai ficar mais caro na maior cidade do País; e os cooperados perderão seus direitos como donos de um negócio e serão explorados por outro tipo de relação societária. Lamentável se deixarem isso acontecer. Nota do Editor: Edivaldo Del Grande – Presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (OCESP) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP/SP).
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