Não sou religioso. Sou filho de uma Filha de Maria, que rezava todos os dias, e de um comunista que, pasmem, era também espírita. Não tomei o partido de nenhum dos dois. Incorporei o melhor deles, embora admita que possa ter errado em muita coisa. Sempre questionei os rituais religiosos num ponto: por que não celebram mais a vida, o viver, a alegria? Por que tanta ênfase nos mistérios, sofrimentos, castigos, pompa e circunstância, segredos e o que belo e natural no homem que é sua capacidade de questionamento? Por que exigir tanto baixar a cabeça a dogmas ultrapassados? Por que insistir tanto em ser os eleitos do Criador se este não passou procuração para ninguém? Olha, eu até gosto de visitar as igrejas, templos, capelas... Principalmente quando estão quase vazios, adoro o silêncio, sinto que ali estão incorporados preces, promessas, confissões, aflições, sonhos... Admito mesmo a beleza das catedrais. Embora prefira o som que vem da rua, o vento, o testemunho... Para fechar esta conversa de tapioca mordeu beiju, parece até que estou caducando, vou transcrever um trecho de um ótimo romance que li recentemente e adorei: Trem Noturno para Lisboa, de Pascal Mercier: “Não quero viver num mundo sem catedrais. Preciso do brilho de seus vitrais, de sua calma gelada, de seu silêncio imperioso. Preciso das marés sonoras do órgão e do sagrado ritual das pessoas em oração. Preciso da santidade das palavras, da elevação da grande poesia. Preciso de tudo isso. Mas não menos necessito da liberdade e do combate a toda crueldade. Pois uma coisa não é nada sem a outra. E que ninguém me obrigue a escolher”. Esta mal traçada ficou mesmo parecendo devaneio de caduco.
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