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Opinião
02/05/2005 - 06h06
O que é um mito?
Dartagnan da Silva Zanela
 
"O mito é o nada que é tudo". - (Fernando Pessoa)

Eis aí um assunto que tenho grande apreso e prazer em estudar, ensinar e escrever: os mitos. Confesso que fico um tanto macambúzio quando coloco-me a redigir sobre temas capciosos como a conjuntura em que se encontra nosso país, a formação de nosso Estado, sobre nossa experiência civilizacional, mas, quando o assunto é mitologia, a conversa muda de figura trazendo um leve sorriso para o rosto desse missivista debruçado diante do brilho colorido do monitor do computador.

Mas afinal, o que são mitos? A definição mais sintética que conheço sobre o que vem a ser um mito nos é dada por Roland Barthes que diz: "o mito é uma narrativa". E a mais poética, se encontra na epígrafe deste ensaio. Ambas se completam e nos dão uma visão mais ampla desta realidade humana e de nosso passeio por esse planeta já não mais tão azulzinho.

Deste ponto de vista, tudo que o ser humano cria para dar sentido e função a sua vida seria um mito que é vivido através de uma seqüência de ritos que nada mais seria que a prática vivenciada do mito. Seriam mitos, as crendices tribais, os deuses e os sistemas religiosos das civilizações primevas, os sistemas religiosos e políticos contemporâneos, os ídolos e ícones da grande mídia, as histórias em quadrinhos, as crenças da modernidade como o progresso, a evolução, enfim, tudo aquilo que o ser humano julga ser a explicação cabal para a vida seria um mito.

Obviamente que é deveras complicado identificarmos o mito que vivemos e acreditamos, pois, como nos explicava Carl G. Jung, não é o mito que nos pertence, mas sim, a gente que pertence ao mito. Para melhor compreensão do dito, partamos para alguns exemplos. Imagine um oficial das SS nazistas assistindo o documentário O TRIUNFO DA VONTADE, de Leni Riefenstahl. Para ele naqueles idos, Hitler era o salvador da humanidade e os judeus a escória da humanidade. Ele estava certo? Obviamente que não, mas esse era o mito que guiava de maneira turva a sua vida e a de milhares de cidadãos alemães. Tentasse dizer que eles estavam errados para ver o que acontecia. Seria o mesmo que lhes ferisse a sua própria carne.

Outros exemplos: bem, tente explicar para um hippie que a sociedade é um pouco mais complexa do que uma vida liberada? Ou então explicar para um racista do século XIX que não há raças inferiores? Tentasse convencer as fãs histéricas dos Beatles que os jovens de Liverpool eram apenas bons músicos e não deidades, tentasse parar a multidão frenética em um show do The Doors a não invadirem o palco após as sandices de Jim Morrison? Seria uma perda de tempo até mesmo perigosa, mas, por que?

Pelo simples fato de aquelas coisas banais para muitos de nós hoje eram para essas pessoas em seus tempos o que dava sentido as suas existências, que lhes trazia uma compreensão (distorcida) do mundo e que faziam eles se localizarem nele em meio a sua vastidão. Aí indagamos: você não levanta muitas vezes questões do gênero: qual o sentido da vida? O que é mais importante para minha vida? Não acaba respondendo de uma maneira similar? Não? Então vejamos: você acredita que o ser humano é bom por natureza? Você é um pacifista em qualquer circunstância? Você crê que é possível edificar-se um mundo melhor através do socialismo?

Você acredita em tudo o que os telejornais lhes trazem na forma de notícias? Você acompanha as telenovelas do início ao fim e sofre com alguns personagens e até mesmo torce por eles? Você cultua alguma celebridade? Você só usa determinadas marcas de roupa? Você acompanha os campeonatos de alguma modalidade esportiva de maneira religiosa? Você acha que uma imagem vale mais do que mil palavras? Você, as vezes, quando ouve determinada música não se sente como um personagem de um filme ou relembra de maneira muito intensa um momento de sua vida?

Bem, se você respondeu que sim para qualquer uma destas interrogações, você se encontra imerso em uma estrutura mitológica que dá sentido a sua vida e isso não é negativo em seu todo, visto que, se esse mito não colocar parte da humanidade como responsável por todos os males que afetam o restante (e por isso deveria ser eliminada do mapa), esse pode abrir-lhe caminho para uma compreensão mais clarividente da vida em seu sentido pleno.

Exemplo disso é simples: um homem vê outra pessoa em meio a uma enchente sendo arrastada pelas águas e ele vai lá e arrisca a sua vida para salva-la. Ou quando uma multidão de pessoas em todas as partes do mundo sem se conhecerem passam a recolher donativos para ajudar pessoas que eles também não conhecem e que nunca vão conhecer, provavelmente, como foi o caso do Tsunami na Ásia. Através de um mito (a solidariedade, a compaixão, o senso de responsabilidade, o desejo de se um dia for necessário façam o mesmo por ele e seus familiares, a fé etc.), uma pessoa arisca a sua vida e ajuda aqueles que nunca lhe agradecerão, simplesmente porque ele acredita que é a atitude correta a ser tomada naquele momento.

Através desses mitos, alcançamos o que Arthur Schopenhauer denominava de tomada de nossa consciência metafísica, o momento em que agimos com plena certeza de que nosso ato é maior que nossa existência. Enfim, nesses momentos singulares compreendemos que o nada que é tudo, que é mais importante e significativo para comunhão da humanidade do que o tudo que nada significa sem o mito, o nada que É em nossas almas.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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