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Opinião
25/05/2015 - 17h04
O custo-benefício da falta de medicamentos
Angelo Maiolino
 

A questão do impacto do uso das novas drogas, particularmente na área de onco-hematologia e do câncer de um modo geral, tem que ser muito bem avaliada do ponto de vista custo-benefício. O problema todo é que nós, médicos, temos que nos basear em dados concretos para permitir que essas drogas sejam aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos Estados Unidos, a legislação permite que drogas em estudos de fase II, aquela que avalia a eficácia da medicação, tenham um registro preliminar. Os americanos entendem isso em decorrência do HIV: tal aprovação pode ter impacto na vida do paciente que não pode esperar.

Já na Europa, o processo é mais moroso. Na Inglaterra e em toda a Europa, o custo da saúde é muito a cargo do governo de um modo geral. Nos Estados Unidos, não é a área privada que se ocupa disso. No Brasil, vemos uma situação que é a pior dos mundos, o pior dos dois cenários. É uma posição do Governo por meio da Anvisa, que não é o papel dela, tentando regular na sua origem a entrada desses medicamentos – é isso o que combatemos. A entrada de medicamentos é realizada sem consistência científica.

O caso da lenalidomida, para tratamento de mieloma múltiplo, tipo raro de câncer de sangue, é emblemático, se considerarmos que a droga está presente em 80 países, com base em trabalhos publicados na década passada e que a consideraram eficaz e importante para o paciente com mieloma múltiplo recidivado. Não faz sentido algum, a nosso ver, a negativa de registro. Nas várias vezes em que a Agência travou o registro, fez uma série de questionamentos sem sentido relacionados à lenalidomida. Vivemos esse problema no Brasil com várias drogas para câncer que foram barradas na Anvisa, em muitos casos claramente por questão de preço e por último de distribuição, o que no Brasil é outro grande problema.

Aliás, é possível ter um medicamento aprovado, com registro, e pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) não terem acesso a ele, o que é um segundo absurdo. Isso não acontece em nenhum outro lugar do mundo, com essa falta de equidade. Mas, para consertar isso, o Brasil trava a droga para todos desde o início.

Vem uma distorção atrás da outra, sendo a maior de todas a intervenção do Judiciário, que não usa critério científico e quer tutelar a saúde. É uma situação que não satisfaz a ninguém sem um concreto interesse de resolver. Existem modelos para resolver, se considerarmos algum modelo socializado, como o inglês ou canadense que, mesmo com incoerências, funciona. No modelo inglês, há uma guerra entre as indústrias e a agência inglesa por uma conjuntura de preço que não foi aceito, mas isso é um outro problema. E isso pode acontecer, existirá uma discussão de preço, que pode até parecer fugir do controle. Então, onde está o equilíbrio? Certamente não da maneira em que estamos trabalhando.

Para o mieloma múltiplo, há várias gerações de medicamentos. Nos últimos dois anos, a Anvisa negou o registro de quatro drogas na área de onco-hematologia que foram aprovadas nos Estados Unidos e Europa. A situação é preocupante porque, ao ter o acesso ao medicamento impedido, o paciente recorre ao Judiciário, que fica com uma responsabilidade enorme. Sem contar que esse atraso resulta na morte de muitos pacientes.

É necessária maior transparência nesse processo. Utilizar argumentos científicos é uma forma tão insignificante. A Agência poderia dizer que não tem dinheiro, que tem outra prioridade, falar claramente. Mas não, alega que o estudo está errado, que tinha que usar outros dados não solicitados em outros tantos países. A posição é uma agressão. Atuo nas linhas de pesquisas, na academia relacionada ao câncer, e isso me atinge.

Nem 1% dos pacientes com mieloma em recaída terá acesso à lenalidomida. O mieloma é assim, responde com respostas rescisivas, então se você não tem o medicamento eficaz para quando isso ocorra, tem que apelar para quimioterapia e drogas antigas que podem até ter resposta, mas de curta duração, como a talidomida e o bortezomibe. A talidomida é uma droga universal. O bortezomibe é irregular, alguns hospitais do SUS têm, outros não, e para recaída é insustentável.

Para a incorporação de novas drogas, não temos nenhuma perspectiva como carfilzomibe e pomalidomida, isso falando só do mieloma. Vale destacar que para 95% das novas drogas apresentadas no congresso da American Society of Clinical Oncology (Asco), no primeiro semestre deste ano, o Brasil não tem acesso ou possibilidade de acesso. É como voltar para a Idade da Pedra.

O câncer é a segunda maior causa de mortalidade no País, tanto entre ricos como pobres, não faz diferença. A solução é discutir mais seriamente esse acesso, com cada um, com seu papel bem definido, para incorporação de novas tecnologias. Não é travar o registro na entrada, com base em evidências falsas. Não é possível acreditar que 80 países, incluindo a China, considerem que o medicamento é eficaz e só o Brasil não. É inaceitável. A atitude frente a situação é vergonhosa. Até quando? Isso tem que mudar.


Nota do Editor: Angelo Maiolino é médico, professor titular da disciplina de hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).

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