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COLUNISTA
Marcelo Sguassábia
08/06/2015 - 15h07
Monochrome
 
 

Tento derramar cores sobre a foto de família: o resultado soa falso. Uma coisa desalmada, sem pulso e temperatura. Cria-se uma inadequação, um ar postiço, não caberia cor ali de forma alguma. O mundo de 1941 da foto com margem branca e cantoneira, tirada de um álbum de madeira marchetada, é natural e necessariamente em preto e branco. Há propósito, graça e sentido em ser assim.

No entanto, quem estava lá posando para a pesada câmera, num vestido estampado e eternizado no clique em paupérrima escala de cinza, jura que o mundo era mais colorido que hoje. As cores mais vivas e intensas, flores e gramados sem a fuligem - essa sim monocromática - das chaminés e escapamentos. Sim, as hoje muito velhas gentes garantem que o branco e preto das fotos não fazia justiça ao variadíssimo pantone da vida real. Por mais que os ternos de linho fossem impecavelmente brancos, e as largas saias das beatas de respeito invariavelmente negras, havia cores intensas por todos os lados.

A mulher do vestido estampado, enquanto ensaia a melhor posição para o clique, flerta com os olhos azuis do moço do reluzente Cadillac verde, tinindo debaixo do sol. Logo mais, à noite, a fila no cinema dobra o quarteirão para assistir Cidadão Kane. Honrando o preto e branco da obra-prima, só mesmo o preto e branco da plateia. Não pode ser de outra maneira, gente colorida assistindo seria profanar o monumento de celuloide.

Há foto de cemitério na penúltima página do álbum marchetado. O lugar onde faz mais sentido ainda o black and white se bastando, o preto dos enlutados e o branco do mármore de carrara dos túmulos. Complementam-se divinamente o pesar dos que ficam e a leveza angelical dos que se foram. Negra é a escuridão embaixo da terra, alva é a asa de anjo, promessa da Bíblia e do padre.

Aquele retrato do Guevara de olhar posto em horizonte incerto, Carlitos em filme ou foto, Einstein mostrando a língua, o beijo do final da guerra em Times Square: qualquer cor banalizaria instantaneamente esses monumentos imagéticos, tiraria deles a autoridade mítica.

Decerto que a cor é uma ilusão do olho, que a Terra de azul não tem nada, é quando muito um ponto branco e minúsculo no negro imenso do cosmo. A mim já está mais do que claro que a madeira marchetada, do álbum aqui no colo, tem seus tons amarronzados só dentro dessa cabeça. Incerta massa cinzenta, de cinzentos pensamentos que ficam indo e voltando enquanto não viram cinzas.


Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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