O homem sai de sua casa e, após enfrentar o trânsito e o caos de uma grande cidade, coloca seu carro num estacionamento caríssimo. Desce do carro, atravessa a rua, espera uns 15 minutos numa fila e compra o ingresso para assistir a um espetáculo teatral. Até agora, sua aventura custou-lhe 40, 50 reais. Aparentemente, já fez sua parte, não? Pode sentar e assistir ao espetáculo que escolheu e, se for o caso, tirar algumas conclusões, as suas próprias. Se conseguir permanecer em silêncio, pode até cochilar, quem se importa? Mas não. Sua desventura mal começou. Se o homem do primeiro parágrafo teve a péssima inspiração de escolher uma peça "engajada", ele corre sérios riscos durante os 90 minutos que se seguem. Será obrigado a se instalar desconfortavelmente na platéia, ou mesmo esconder-se, correndo o risco de, a qualquer momento, ser atingido por um objeto arremessado pelos atores a partir do palco. Ouvirá ainda toda sorte de impropérios contra sua condição, entre burguesa e irônica, de "espectador de teatro". Numa noite ruim, talvez uma meia dúzia de artistas ensandecidos tente lhe tirar as roupas, obviamente a contragosto, violentamente. Se tentar, finalmente, exercer seu direito sagrado de simplesmente cair fora, terá sua passagem obstruída por mais um soldadinho do pequeno batalhão maoísta de plantão. Não fosse a truculência dessa má espécie de teatro e de artistas, tal classe de espetáculo passaria absolutamente despercebida. O público que se sujeita a isso é numericamente irrelevante. Poucos se lembram dos nomes das apresentações ou dos atores envolvidos. Ninguém sai de casa para ver, ninguém dá a mínima. Só mesmo a meia dúzia que produz tais aberrações, seus familiares, amigos próximos e os entusiastas que costumam cair na conversa dos críticos teatrais, que na verdade fazem parte do terceiro grupo há pouco listado. Uma festa particular onde só se entra pagando e reza-se para se conseguir sair sem um arranhão. Dois dos expoentes desse teatro engajado, e obviamente de esquerda, estão estreando novas apresentações. De modo a não disseminar propaganda ruim, me abstenho de dizer seus nomes. Um é artista realmente "profissional", e vive há décadas da fama de ex-perseguido político, tendo se transformado num especialista em advogar em causa própria. O outro pode ser visto eventualmente tirando as calças em público, para delírio da imprensa especializada e ávida por esse tipo de performance artística. Se alguém reclamar, que sejam culpados os conservadores, os reacionários. Nada de muito substancial está sendo discutido, afinal. Ambos não passam de especuladores ideológicos. Seu discurso vai contra a invasão norte-americana do Iraque e a reeleição de George W. Bush. O mais velho deles, nunca se viu protestando contra a presença chinesa no Tibete, ou contra os abusos cometidos nas ditaduras iraquiana, norte-coreana, venezuelana, cubana, entre outras. Quanto ao mais jovem, nenhuma palavra a respeito de política nacional, é lógico, porque aí já seria mexer com quem tem ouvidos e pode ouvir, e não com esses inimigos imaginários que sequer parecem saber que este país existe (para o bem deles e para nosso azar). Exceto, é claro, seus palpites infantis a respeito do Movimento de 31 de Março de 1964, o que segundo seu texto seria uma maquinação meticulosa da CIA, tese tão propagada e repetida tolamente quanto plenamente refutada e problematizada. Um ainda fala de Canudos e parece desconhecer os gulags e o khmer vermelho; o outro, dos reality-shows. Mas importa pouco: quase ninguém os está ouvindo. Poderiam ao menos variar um pouco seus temas, de modo que sua encenação barata e demagógica, seu discurso pronto redigido e repetido infinitamente por papagaios incapazes de pensar por conta própria soasse menos aborrecido. Mas não se pode mexer em time que está perdendo. A moral da história e de todas as histórias parecidas com a do primeiro parágrafo é, definitivamente: só vá dar uma espiada nesse teatro "engajado" se for de graça. E leve um guarda-chuva, para não ser atingido por nada que saia voando do tal "palco italiano" (que, afinal e pela milionésima vez, terá sido "subvertido"...), bem na direção da sua cabeça.
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