Um dia desses, comentava com amigos, que a nossa geração - a minha e a deles - tinha vindo ao mundo de forma mais gentil. Os filhos nasciam, quase sempre, por mãos de médicos amigos ou de parteiras que, quase integrados às famílias, ofereciam a criança à mãe parida ainda envolta no líquido que a protegeu por longos meses. Após o parto, médico ou parteira lavavam o rosto e as mãos, tomavam café com bolo, davam adeus e saiam. A conta ficava para depois, sem pressa e sem ajustes prévios. A partir daí, era a mãe quem tomava as rédeas. O filho é teu, cuida dele. Quando muito, era ajudada por uma parenta ou empregada que fazia de tudo. Os filhos mamavam no peito, o berço ficava ali de lado da cama do casal e os outros irmãos, pois sempre tinham outros, entravam e saiam em algazarra, enquanto ela pedia, sem êxito, silêncio. Essa mãe, quase sempre, era apenas dona de casa, daí encontrar tempo para cuidar dos filhos, contar histórias, ouvir rádio, costurar, cerzir, ler e tomar banho ao final da tarde para, perfumada e vestida em leve vestido de algodão, esperar o marido que trazia novidades da rua. Essas histórias e lembranças, em meio a este Dia das Mães de 2005, parecem ter acontecido em outra vida em que as portas das casas não tinham chaves de cilindro, nem eram protegidas por grades eletrônicas e trancas. As calçadas eram prolongamento do viver em família e os vizinhos não só se conheciam, mas formavam grupos de amigos que jogavam peladas, xadrez, damas, bila, triângulo, gamão ou baralho, com cartas já usadas e curtidas pelo tempo. Hoje, "é o menino do 201", "a viúva do 402" e "o casal que briga no 702". Parece que ninguém tem nome. E é esse mesmo tempo, que nos mostra a face atual da maternidade, pois quem muda são as pessoas e as coisas. A mãe de hoje é, via de regra, mulher profissionalizada, ciente dos seus direitos, co-responsável pelo sustento da família, interconectada, programando-se para ter os filhos que determinar, deles cuidar com outros olhares, e assistida - quando pode pagar - por "enfermeiras" ou babás de carteira assinada. É neste tempo de medo e dúvida que a família nucleariza-se e fecha-se com temor das diásporas sociais. A mãe de hoje vê o parceiro não mais como alguém que chega da rua com certezas, verdades ou mentiras, mas um associado, alguém que com ela compartilha e defronta-se no dia-a-dia com uma sociedade competitiva, quase nada solidária e sem muitas referências essenciais. Às velhas mães ainda vivas, as que já se foram e as que estão no meio da tarefa braba de cuidar dos filhos e da vida, ficam o reconhecimento e estas lembranças catadas no passado, entremeadas com a vertigem do viver atual, tão imponderável quanto desafiador.
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