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SEÇÃO
Crônicas
10/05/2005 - 06h28
Canção de amigo
Chico Guil - Agência Carta Maior
 

Ela chega às cinco horas, com croissants. Ouço o barulho de pétalas na cozinha. As paredes gravam o ruído sereno dos passos, protegem de olhos intrusos os movimentos, que ela separa em ciclos. Descobre pernas e braços para apresentar a mim como num sonho, onde não existem forças, apenas aproximação. Vem mansa ao meu quarto, querendo apanhar-me numa cena estranha, daquelas que faço quando sozinho. Mas abre as cortinas e estou apenas olhando o teto, onde vejo seus olhos de ontem, que ainda dormem na rede dos meus.

- Meu menino! - assim é que me chama - eu trouxe comida!

Vou comendo, ajeitando as dobras do lençol, escorregando de propósito as bordas finas para que minha amiga se espalhe, ouça e me reconheça. Pernas, mãos e croissants se juntam no abraço.

Rimo-nos, porque tudo vem múltiplo e belo na hora de tirar as farpas dos estilhaços. O último concerto rendeu vinte e cinco poemas, duas crônicas indeterminadas e um presságio: sonhou que eu balançava dormindo numa imensa rede amarrada nas torres da cidade.

Digo que estou perdendo a inspiração, e ela confirma: - Você é mesmo de nada! - para que eu logo comece a compor uma obra fresquinha: novos augúrios civilizatórios e promessas ardentes de fé na vida eterna.

Essas, e outras, que ainda não existem, vamos derramando sobre o lençol, e as vemos dançarem, com quatro olhos e um pensamento.

Minha amiga não tem pés de gazela, nem unhas felinas, nem saia amarela, nem dedos pianistas, nem nariz de menina, nem olhos ametistas, nem cinta de bailarina, nem dentes de marfim, nem faces de atriz, nem pernas de manequim, nem cheiro de anis, nem bunda desenhada, nem nome de Beatriz, nem lábios de namorada, nem nada... Minha amiga não tem o que dizem necessário para ser amor. Ela tem apenas um olhar que me corta e atravessa, e uns gestos que me amarram como cordas, e uns gracejos que nublam meus sérios, e um andar que sabe vir nas minhas horas...

Minha amiga desfila todos os dias nesses longos corredores paralelos da cidade, que raras vezes convergem para os meus. Ela pensa nos significados ocultos, mas a mim só valem os significados. Digo que vou beber água quando quero apenas matar a sede. Quando ela pede água, talvez esteja querendo se preencher com uma coisa cristalina.

Minha amiga é o amor andante que cintila em pequenos cacos de adjetivos partidos. Ah, suspiros! A vida é rápida como jatos de sangue.

Nos muros, nas paredes dos edifícios, nestas manhãs frias curitibanas, em cada pequeno vão de beco perdido estão as cores da sua fotografia, e pelos riscos nas formas dilatadas da silhueta vejo que passou apressada.

O andar é dos loucos, que precisam viver imediatamente. A beleza é a dos anjos disfarçados de gente, que escondem um sorriso por trás da maquiagem que esconde o que é apenas angélico, que não se traduz, senão em pequenos arranjos que faço em melodias, cores em tela de algodão e ajuntamentos de palavras. Minha amiga tem duas faces, que esconde por trás da maquiagem. A primeira é a face presente, que me oferece tardes de croissants. A segunda é a face ausente, e me traz sonhos distantes, como vento a farfalhar penas de asas de anjo. Na presença me traz o mundo prático e o enlace dos extravios de duas almas desviadas. Na ausência me leva junto, por isso não me encontro quando procuro pelos brancos da minha casa.

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