Um dia a luz acaba, e ainda por cima de noite, quando nós mais precisamos dela. E a primeira coisa que nos ocorre é descobrir se foi apenas aqui, em nossa casa, ou se toda a rua está às escuras. Abrimos a porta e encontramos os postes de iluminação funcionando. Mas isso não quer dizer nada, pode ser que os postes tenham luz e as casas não. E, de repente, começamos a ver outras pessoas, nossos vizinhos, que também saem de suas casas, que também vêm para fora descobrir se há mais alguém naquela rua sem energia elétrica. Um pergunta daqui, outro responde de lá, e no fim todos se convencem que não há luz na vizinhança inteira.

Aos poucos nos aproximamos uns dos outros, queremos pensar junto nas estratégias para resolver aquele problema, que, afinal, afeta a todos nós. Descobrimos então vizinhos que nem suspeitávamos. De cada casa saem homens, mulheres e crianças que nunca havíamos visto, ou pelo menos nunca havíamos prestado atenção – e, no entanto, eles estavam ali todos os dias, morando bem próximo a nós. Dali a pouco a rua está tomada de gente, vizinhos estranhos entre si. Unimo-nos em imprecações contra a companhia de energia elétrica, que não nos dá uma resposta satisfatória. Fazemos algumas piadas sobre o governo. E nos deixamos estar ali, conversando, porque também não era vantagem voltar para uma casa totalmente escura.

Um problema nos absorve a todos: a mulher que chegou em casa e não conseguiu entrar, pois o portão, sendo eletrônico, não abre. É preciso colocá-lo no modo manual e empurrá-lo, o que não é tão fácil quanto parece, mas todos tentamos, todos palpitamos, todos nos dispomos a fazer algo, até que conseguimos, enfim, ajudar aquela vizinha que nunca havíamos visto.

Vem a primeira previsão de retorno da energia elétrica, para dali a uma hora. Lentamente, nos dispersamos, voltamos para as nossas casas, de onde não sairemos tão cedo, de onde só sairemos se uma circunstância maior nos expulsar. Em pouco tempo, tudo volta a ser trevas.