Finalmente uma grande contribuição deste governo à cultura, à civilidade e à ética social brasileira! O lançamento da já tão comentada Cartilha Politicamente Correta do Ministério de Direitos Humanos, alcançou a dupla façanha de produzir uma obra prima do bestialógico e torná-la, em tempo recorde, uma raridade bibliográfica. Serviu, pelo menos, para se verificar que o país ainda não perdeu de todo o senso de ridículo. Serviu para eu próprio descobrir que tenho algo em comum com o Presidente. Ele também achou que era coisa de quem não tinha o que fazer e, não sei se porque incluíram alguns verbetes da sua preferência, a cartilha sumiu e não se acha uma nem para remédio. O livreto que pretendia caçar palavras e expressões da língua, a maioria de cunho bastante popular, foi contra-caçado pelo potencial de chacota a que expunha o governo. Com isso, perdi a oportunidade de pedir a inclusão da única ofensa étnica admitida como aceitável entre nós. Cioso das minhas origens lusitanas, tocado irremediavelmente pelo afeto às paisagens transmontanas da terra dos meus pais, nunca entendi a liberdade e a descontração de algumas pessoas em classificar atos e atitudes pouco inteligentes como "coisa de português". Acostumado a ver meus velhos parentes, com pouco estudo e às vezes apenas semi-alfabetizados, como meu próprio pai, serem primorosos nos trabalhos que faziam, nunca compreendi a origem da expressão. Minha madrinha era realmente analfabeta e fazia bordados e crochê como uma fada. Por outro lado, jamais me passou pela cabeça, nem do meu pai, que fosse preciso o socorro de qualquer órgão governamental ou partido político para rebater tais injustiças. Meu primo, torcedor militante da Portuguesa de Desportos, referia-se ao time dos seus afetos como a "burra" e morreu esperando o dia de comemorar um grande título que não fosse partilhado, graças ao erro na contagem dos pênaltis pelo juiz que, aliás, era brasileiro. Muito já se escreveu sobre a tal cartilha e com talento que eu não conseguiria igualar. Não querendo deixar passar sem o meu pitaco, perdi tempo em vão tentando conseguir pôr os olhos em um exemplar dessa preciosidade. Queria achar algo mais além de tudo o que havia sido comentado por articulistas do porte de um Reinaldo Azevedo, Janer Cristaldo, José Nêumane e outros. Já que isso não foi possível, não querendo perder a viagem pensei em reivindicar a inclusão de "coisa de português" na cartilha. Mas, obviamente, antes de fazê-lo achei de bom tom ouvir a opinião da parte interessada e consultar o meu velho pai. Ele me escutou um tanto desconfiado enquanto eu tentava convencê-lo de que falava sério. Finalmente sentenciou: "Não me venhas com tolices, ó rapaz, que eu estou velho mas ainda não perdi o juízo. Foi para isso que te mandei estudar? Achas que é coisa para ocupar o teu tempo ou o do governo?" Na verdade, tenho quase certeza que ele não me acreditou. Coisa de português. Nota do Editor: João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.
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