I - Me dá um trago, vai. - Ué, não é você que ontem mesmo disse que ia parar de fumar? - Hum, olha quem fala. Você parou, por acaso? - Mas também não prometi nada. Eu prometo coisas que posso cumprir. Esse céu lindo, por exemplo, esse veludo azul com respingos de prata... - Nossa, baixou o Olavo Bilac? - Então, esse céu aí que nem em Shangri-lá se vê assim. Eu sequestraria agora e decalcaria nos seus seios, se você mandasse eu estaria disposto. - Então traz. - Eu disse que estaria disposto. Futuro do pretérito. Agora não estou. - Ah. II - Só eu mesmo, uma tonta, tão pouco voluntariosa, sem amor-próprio nem coisa melhor pra fazer em casa, tão minimamente exigente, pra vir torcer por você num inter-clubes de peteca às 4 da tarde de sábado. - O amor é lindo, honey. - É lindo e bobo, besta, mentecapto, retardado, autista, acéfalo. Tenha dó, até fazer xixi é mais emocionante que isso. - E depois daqui? E sua quedinha por esportistas ofegantes? E esse meu fogo todo, aquecido pelo jogo? Que me diz? - Sei, sei. Quero ver se essa peteca você vai deixar cair... - Isso é uma ameaça? - Não. Uma esperança. III - Ai, como eu detesto quando você faz isso. - O quê? Mexer a bebida com o dedo? Très chic, tolinha. Isso é absolutamente in, se é que você me entende. Vai se instruir nos manuais de etiqueta da Glorinha Kalil pra depois implicar comigo. - Deselegante, convencido, animal bruto. Devia ter deixado você lá, correndo atrás de peteca com seus amigos gordos. - É. Pena que você não resistiu ao papai aqui. (plof) - Mas o que é isso? Hein, o que é isso? Nunca imaginei que alguém teria coragem de me jogar um absorvente usado na cara!!! - E eu jamais sonhei em ter que me contentar com o 16º colocado num inter-clubes de peteca. Prefiro ir pra cama com a própria peteca. - Fique à vontade. Tá dentro do guarda-roupa. - Sim. Como os amantes esperando a saída dos maridos cornos. IV - Pensa que é fácil, no melhor da história aquele cheiro de cebola na sua mão? - E pensa que é gostoso meia dura de chulé, pasta sem tampa, jornal jogado? - Prometo que mudo. - Ah, tá. Do mesmo jeito que prometeu decalcar o céu nos meus seios. Duvido que mude... - Você não entendeu. Quando eu falo em mudar, é mudar daqui. V - Olha o tempo que você tá aí lixando essa unha. Se vocês mulheres soubessem da tara dos homens por unha lixada... - Você pode não reparar, mas há quem dê valor. Ô se há. - Em unha lixada? - Em unha lixada. - Quem por exemplo? - Use seu poder de dedução. - Reticente e misteriosa. Não deixa no ar, não. Começou, agora conclui. Quem? - Preocupadinho, bem? - Tsc, tsc. Aliviado. Pra reparar na unha, não deve ser lá muito homem... - Nem jogador de peteca. - Ah, vai pr’aquele lugar, vai! - Já estou nele. Faz tempo.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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