- Boa noite. O Sr. Antonio, por gentileza. - É telemarketing, né? Olha, não estou precisando de nada não. - Nos impressiona o fato de o senhor ter conseguido nos identificar. Tomamos todo o cuidado para não falar no gerúndio... - Com gerúndio ou sem gerúndio, esse jeito de fala decorada e esse timbre de locutor de aeroporto não me enganam. - Por obséquio, senhor, só um instante da sua atenção. Tomamos a liberdade de contatá-lo para livrá-lo em definitivo desse inconveniente. Sabemos o quanto as centrais de vendas por telefone andam importunando sua vida, e... - Se sabem, então porque também praticam esse tipo de sadismo? - Podemos garantir, senhor, que esta será a última chamada de telemarketing que o senhor atenderá. Isso, claro, se o senhor optar pela adesão aos nossos serviços. Nossos computadores interceptam as tentativas de contato e não deixam o telefone do cliente tocar, para não atrapalhar o seu sono ou o que quer que esteja fazendo. - Mas já não tem uma lei que protege o cidadão contra esse tipo de abuso, minha filha? - Correto, senhor. Existe o bloqueio ao telemarketing do Procon de São Paulo, mas tem que preencher um formulário, aguardar 30 dias e o solicitante corre o risco de empresas descumprirem a solicitação e insistirem em continuar ligando para o seu número. Com o nosso serviço, isso é impossível. Ele funciona por mecanismo de interceptação, uma tecnologia inédita desenvolvida pelos nossos programadores. Seu telefone não chega a tocar. - Isso seria a glória. - De maneira geral, os serviços mais inteligentes conseguem ludibriar os identificadores de chamada, fazendo rodízios dos números. Para se livrar do incômodo o senhor precisaria saber os números utilizados em rodízio por cada uma das centrais de telemarketing, o que seria impraticável. Algumas centrais adotam um expediente bastante engenhoso. No lugar de um número de telefone, aparece no visor de quem atende apenas um "01". Tudo para dificultar a identificação. Um outro estratagema muito comum é ligar e, assim que a pessoa atende, simplesmente desligar. É que só pelo fato da ligação ter se completado, o sistema já entende como efetuada na hora de apurar o cumprimento de cota do operador. - Brasil - sil - sil, né, minha filha? É o telejeitinho brasileiro. - Estamos com uma promoção especial apenas para esta semana, e disponibilizamos ao senhor um mês de cortesia do serviço. Na eventualidade de receber qualquer ligação de telemarketing no período, nós depositaremos em sua conta o valor equivalente a uma mensalidade, a título de ressarcimento por falha de serviço. Poderia me fornecer agora os dados do seu cartão para habilitar imediatamente o telebloqueio, por gentileza? Lembrando que o primeiro mês é test-drive. - Mas quem falou que eu vou querer experimentar isso? E se for ver, falha de serviço você já cometeu, filhota. Você disse “lembrando”, isso é gerúndio. Gerúndio não vale, confere? - Aceite minhas desculpas, senhor, é que vim há poucos meses de outra empresa da área. Mas estou em tratamento fonoaudiológico para me livrar da dependência. O senhor há de compreender, o próprio termo “telemarketing” é um gerúndio em inglês, o gerúndio é algo que está no DNA do operador. Mas, voltando ao nosso assunto... - Aí, olha o gerúndio aí de novo! Infringiu o regulamento duas vezes. Sinto muito, terei que desligar. Se insistir, poderei estar ligando para o seu chefe.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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