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Crônicas
15/05/2005 - 20h33
Carência habitacional
Pedro J. Bondaczuk
 

O cantor e compositor Dorival Caymi consagrou, numa famosa canção, a realidade de milhões de brasileiros, ao escrever: "Eu não tenho onde morar, / é por isso que moro na areia". O problema habitacional no País é dos mais sérios e vem se agravando, por falta de ações do Poder Público, já não digo para encontrar uma solução definitiva para ele, mas, pelo menos, para impedir que se agrave.

Cada vez mais brasileiros, de baixo ou até nenhum poder aquisitivo (a grande maioria da população), passam a morar em favelas, alagados, cortiços e outros locais, mais perigosos e insalubres, por absoluta falta de opção. E muitos, ao contrário da letra de Caymi, não moram, sequer, na "areia".

Nós, da imprensa, fazemos muito pouco para retratar com fidelidade esse caótico quadro. Poderíamos, e deveríamos, fazer muito mais. "Escassez de moradia não é um problema específico do Brasil", dirão, com certa razão, os que acham que está tudo bem e que as coisas "são como são" (em número considerável, aliás). "Até países avançados da Europa, do chamado Primeiro Mundo, estão às voltas com essa questão", ponderariam os que sempre têm um argumento na ponta da língua para justificar o injustificável.

Grã-Bretanha, França e Alemanha, para citar alguns, possuem, de fato, carência nessa área. Os britânicos, no entanto, contam com um "auxílio moradia", em seu sistema previdenciário. Têm direito, a esse benefício, os que puderem comprovar insuficiência de renda ou que estejam desempregados.

O fundo cobre até 100% do aluguel durante um período de 60 semanas, renovável. Outros países europeus contam com benefícios semelhantes, ou outros avançados sistemas de proteção social, que não deixam ao desabrigo e na indigência seus cidadãos carentes, em especial os que tenham perdido o emprego (em número crescente nestes tempos de "globalização").

Há algum tempo, os jornais noticiaram sobre um grupo de sem-teto no Japão, que tinha como moradia uma das estações do metrô de Tóquio. Casos extremos como este, porém, são raridades, verdadeiras exceções à regra, no Primeiro Mundo, embora existam. Em geral, são imigrantes (legais ou ilegais). E no Brasil, o que acontece?

Quem tem a infelicidade de perder o emprego e não possui "cacife" para arranjar outro em curto espaço de tempo, tende a resvalar direto para a miséria. É uma tragédia! Se mora em casa alugada, não tarda em ser despejado. Termina em alguma favela, quando não na rua. E não são poucos esses casos. Pelo contrário.

Mesmo os empregados têm dificuldades em bancar moradias, alugadas ou próprias (neste caso, quase um milagre, se a pessoa não ganhar alguma herança ou não contar com ajuda de uma família com relativos recursos financeiros). Alguns raros conseguem entrar nos planos habitacionais dos governos de vários níveis, assumindo dívidas virtualmente para o resto de suas vidas.

E os imóveis financiados não são aquela maravilha. São supervalorizados e mal acabados. Ainda assim, quem consegue um, se dá por muito feliz. O cidadão que se arrisca a aderir a esses planos de financiamento, sujeito a qualquer momento a ficar desempregado e a se tornar inadimplente, vai pagar pela casa ou apartamento (cada vez menores em área e cada vez mais distantes das zonas centrais das cidades), muito mais do que a moradia de fato vale. Ainda assim, deve erguer as mãos para o céu. É um "privilegiado"!

E os aluguéis? Alugar casa, ultimamente, não tem sido bom negócio nem para o proprietário e nem para o inquilino. A muitos resta como alternativa alguma favela ou cortiço. A outros tantos milhões, nem isso. A "supervalorização" chegou também aos barracos: insalubres, desconfortáveis e perigosos, mas para muitos, desejáveis.

O jornal "O Estado de São Paulo" publicou, na edição de 18 de janeiro de 1998, a história de Marcos Vinícius, na época com 21 anos, que exemplifica as "soluções" que muitas pessoas, em especial nas grandes cidades, adotam para conseguir "um teto" que lhes cubra a cabeça. Nosso personagem e sua companheira Rose, então com 18 anos (grávida de dois meses), "residiam" em um buraco na Ponte Bernardo Goldfarb, sobre o Rio Pinheiros, na capital paulista.

No mesmo local "habitavam" meninos de rua, famintos e drogados, que ou haviam fugido de suas famílias, ou foram abandonados por elas. Essa estranha confraria fazia lembrar o grupo de mendigos do centro de Paris, retratado magistralmente pela pena inspirada de Victor Hugo, em seu clássico "Les Miserables". Mas a realidade "pintava" esse drama urbano, na São Paulo de 1998, com cores muito mais fortes do que o romancista francês na capital do seu país de 1820 (mesmo em se tratando de um gênio, como o foi).

Marcos Vinícius e sua improvisada "família", "habitavam" o precário "duplex", onde pelo menos não pagavam aluguel. Perto da parede, quatro tijolos faziam as vezes de fogão. O grupo convencionou chamar esse espaço de "cozinha". O quarto, onde só se podia andar de costas curvadas, ficava a três metros do solo, ou melhor dizendo, das águas fétidas e extremamente poluídas do Rio Pinheiros. Havia uma escada de madeira para dar acesso ao "apartamento" desses engenhosos paulistanos. Qual o destino desses nossos personagens? "Residem" ainda no mesmo endereço? Certamente não!

Esta ainda é, porém, mais do que nunca, a realidade habitacional brasileira! Em quase todos os vãos de viadutos de São Paulo (ou do Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte etc.) há grupos na mesma (ou em muito pior) situação do que Marcos Vinícius, cujo sugestivo apelido (e não poderia ser melhor) era "Assombroso". Há algumas centenas de pessoas, na capital do Estado mais rico e poderoso da Federação, que dormem simplesmente nas ruas, ao relento, em especial no centro velho da cidade e nos arredores do Mercado Municipal. Quem já tiver caminhado por aquelas redondezas, a altas horas da madrugada (e não for insensível ao sofrimento alheio), certamente testemunhou isso.

Enquanto o Brasil tiver esses contingentes de famintos, de subnutridos, de desocupados, de analfabetos, de meninos e meninas de rua abandonados, drogados, marginalizados e prostituídos; de desabrigados; de "Assombrosos" que se escondem em buracos de pontes e vãos de viadutos a título de "moradia", nunca poderá alardear, com seriedade, se tratar de um país "moderno" e minimamente justo. Ou alguém me contesta, não com sofismas, com retóricos argumentos, mas com fatos?


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor.

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