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Opinião
15/05/2005 - 19h10
República Socialista de Ilhabela
Christian Rocha
 

Pergunte a qualquer pessoa de Ilhabela sobre as principais realizações da Prefeitura. Cidadãos satisfeitos mencionarão as ruas pavimentadas, o hospital municipal, as escolas, a reforma da Vila e os cruzeiros marítimos. Cidadãos insatisfeitos mencionarão a expansão imobiliária, a poluição das praias e dos rios, o aumento da violência e os problemas de trânsito nos feriados. Todos destacarão pontos positivos ou negativos e ficarão muito longe daquela que, até o momento, foi a principal realização da gestão Manoel Marcos: a ampliação da estrutura e da influência sócio-econômica da Prefeitura sobre a cidade.

Todo morador de Ilhabela sabe disso, mesmo inconscientemente. Basta verificar seu círculo de amizades: se você mesmo não trabalha na Prefeitura, certamente conhece alguém que trabalha. Inúmeras pessoas são empregadas pela Prefeitura ou de algum modo dependem dela para viver. Mesmo as empresas privadas mantêm essa relação de dependência, seja fornecendo seus produtos à Prefeitura, seja prestando-lhe serviços. Nos poucos casos em que não há vínculo econômico, há ao menos a dependência burocrática, através dos impostos - que todos pagamos, sem exceção -, alvarás e documentos diversos.

Em outras palavras, a Prefeitura Municipal de Ilhabela é uma espécie de Big Brother, ao melhor estilo de Aldous Huxley. Aonde quer que você vá, você o verá e ele verá você.

Por enquanto isso não constitui um problema. O Grande Irmão ilhabelense tem prestado os serviços que são de sua competência. A cidade está funcionando. Ilhabela ainda não é um lugar ruim para se viver e alguns impostos e exigências - poucos, vale lembrar - não chegam a ser totalmente injustos.

Mas a dependência da população de Ilhabela em relação à Prefeitura Municipal impressiona porque não é percebida pelos dependentes e porque tem implicações que vão muito além das finanças. Um lugar em que a iniciativa privada é quase nula; em que quase tudo acontece pela ação ou patrocínio do poder Executivo, que mantém com o Legislativo uma relação que ultrapassa a simples complementaridade; em que quase nada pode ser feito sem autorização ou bênção do poder público; em que a imprensa e a sociedade civil só se manifestam para dizer amém a cada ação da prefeitura¹; este lugar corre sérios riscos nas mãos de políticos mal-intencionados.

Essa dependência acontece por duas razões muito simples:

1) A maioria das pessoas aprova essa dependência porque ela tem sido benéfica para os dois lados: a prefeitura dispõe de funcionários, empresas prestadoras de serviços e fornecedoras, ao mesmo tempo fiéis e tementes; estes são pagos em dia pelos serviços e produtos fornecidos para a Prefeitura.

2) Como se trata de uma relação benéfica, é adequado não importuná-la com questionamentos e reflexões. Os benefícios para ambas as partes alimentam a submissão psicológica da população em relação ao poder público, com implicações políticas, sociais e culturais. Num time vencedor os jogadores raramente questionam os métodos do técnico - ou "não se mexe em time que está ganhando".

Alguns poderiam chamar isso de governo socialista. Pode não haver sentido em chamar de socialista um município de um país que ainda é capitalista - não obstante as inclinações do PT, digo, do Governo Federal -, mas algumas das principais características do socialismo podem ser vistas em escala municipal: concentração do poder público nas mãos de uma única casta política, que invariavelmente ampliará seus poderes e ganhos em detrimento da influência da sociedade sobre as políticas e bens públicos; anulação da iniciativa privada, seja diretamente, através de políticas coercivas, seja indiretamente, através da criação de condições que a tornem inviável; ausência de divergências políticas internas, que se manifestam apenas em assuntos menores e sem importância; ausência de imprensa independente, como conseqüência da anulação da iniciativa privada.

No que diz respeito ao socialismo, ele naturalmente se extinguiu nas nações cujos governos não recorreram à força para preservá-lo. Nestes países a população não suportou o controle oficial e resolveu tomar as rédeas das próprias vidas, antes reguladas por governos autoritários - v. a antiga URSS e países do leste europeu. Nos países em que o socialismo ainda existe, recorre-se a expedientes progressivamente violentos e criminosos para manutenção do poder político - como na China e em Cuba, países que condenam à morte seus dissidentes políticos. Dois rumos, portanto, tomaram os países socialistas: a barbárie oficial, com total supressão dos direitos individuais, ou a abertura política e econômica, que naturalmente os tornou capitalistas e deu vida nova à sociedade.

Em nível municipal, não se trata de uma escolha econômica, mas de uma escolha política e cultural. O predomínio dos aspectos políticos e culturais sobre os econômicos pode atenuar os efeitos danosos do socialismo sobre um município, mas não dá garantias de que eles não existirão ali. Em geral, esse predomínio serve apenas para criar uma falsa imagem de bondade à mão pesada do governo, já que o que não pesa no bolso demora a ser percebido pela população.

Em Ilhabela, o atual estado de coisas sugere um quadro não muito positivo para o futuro: a população rumo à submissão total ao poder público, sem o qual nada poderá ou conseguirá existir. O presente ainda é suficientemente agradável e a população sente-se bem com essa interferência a ponto de aprová-la. Se essa interferência será mantida com o uso da força ou com a manutenção da satisfação dos eleitores, só o tempo dirá. Enquanto isso, não custa nada manter-se atento às inclinações e formações ideológicas dos políticos ilhabelenses.

Nota do Autor:

(¹) Como o leitor deve ter percebido, Prefeitura, com inicial maiúscula, significa uma entidade específica de um município específico. A palavra prefeitura, com inicial minúscula, significa entidade que representa o poder executivo de um município. Se a diferença não era evidente, espero que agora seja.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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