Um ser com oito tentáculos para desempenhar suas atividades. Extensões de seu corpo prontas para realizar o necessário. Fortes, eficientes, capazes de lutar contra tubarões. Você reconhece isso? Por trás de grandes olhos e braços solucionadores, se encontra um cérebro, tão grande quanto o de alguns pássaros e mamíferos. É um senhor cérebro, não? Para desempenhar, ao longo das 24 horas de um dia, e dos 365 dias de um ano, todas as funções que seus oito braços permitem, é preciso fazer bastante uso desse órgão. Você reconhece isso em você? No meu caso, sou um polvo jornalista, esposa, dona de casa, madrasta de duas crianças e mãe de cachorro. Também tento, a muito custo e esforço diário, ser esportista, me alimentar bem, consumir cultura, viajar quando possível e cuidar da aparência, em todos os aspectos. É muito? Bom, se você vive no mesmo oceano que o meu, sabe bem que isso é um pacote básico que deve ser realizado com prazer, calma, equilíbrio. E que se você puder fazer ótimas fotos disso tudo para o Instagram e o Facebook, melhor ainda. Conheço quem, ainda soma ser atleta, exímia cozinheira, conhecedora de vinhos, poliglota, expert em nutrição, entendida de moda e que usa protetor solar todo dia. Mas cansa, sabe? E aquele cérebro grandão do polvo, cansado, também dá uma trabalheira danada. É uma dor de cabeça aqui. Uma dificuldade enorme de sair da cama ali. Um mau humor que nos pega desprevenidas, e faz a gente achar que a casa não está no nível “vamos receber”, que o trabalho é um saco e que as pessoas próximas (aka marido, mãe, irmã) não te entendem ou valorizam. E sabe o que dizem quando isso acontece? “Por que você não faz treinamento funcional para dar energia?”. Meu corpo forte foi sentindo falta do ócio do domingo. O ócio da poltrona com desenho animado. Ou do Jornal Nacional ligado. Na verdade, na minha casa, esse tal de ócio é persona non grata tem muito tempo. Impressionante como eu, enquanto polvo que sou, criei um processo de não permitir “tentáculos ociosos”. Dito e registrado, agora, todo dia, por volta das 22h30, quando já existe silêncio na vizinhança, menos carros na rua, as crianças dormem e o cachorro também, resolvi não ter compromisso com nada. Inclusive, não ter compromisso de não ter compromisso. Faço o que eu quero, por 40 minutos, desde que seja calmo e que não possa virar mais uma tarefa do meu dia. Não adianta começar a colorir o Jardim Secreto já pensando que tem que terminar. Quando estou com dores musculares, faço uma série de posições de yoga, sem querer virar Gisele. Se estiver com fome, como sem me preocupar com o glúten e a lactose. Posso escrever sem me cobrar um best seller, me jogar no sofá com preguiça, tomar um banho longo ou só ficar calada. Quieta, de olhos fechados. Tentando fazer o que eles chamam de meditação, mas sem querer encontrar a iluminação celestial. Tem me feito bem o desapego da culpa. Por alguns minutos todos meus, posso me despir de polvo e encarar a possibilidade de virar borboleta. Nota do Editor: Renata Castello é fundadora e diretora do Portal eugosto.de.
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