Minha mãe morreu relativamente cedo. Câncer de intestino: à época, ainda não existiam recursos como a colonoscopia (à qual me submeto periodicamente, conforme orientação do competente doutor Ismael Maguilnick, que me conhece por fora e por dentro) de modo que diagnóstico precoce era mais difícil, e assim ela pagou tributo à doença que a fez sofrer horrivelmente, antes que expirasse em meus braços. O tempo passou e hoje me dou conta de que sou mais velho que minha mãe. Se ela miraculosamente reaparecesse, o que é o sonho de todo filho órfão, eu não veria diante de mim a senhora provecta que meus olhos infantis e adolescentes tantas vezes contemplaram, veria-a como uma mulher ainda jovem. E isto certamente mudaria a maneira com que eu a encararia. Eu já não seria o rapaz desamparado, ou revoltado, ou chato; eu assumiria a condição de homem maduro (ao menos do ponto de vista cronológico). Posso dizer que minha atitude em relação a ela seria - paternal? Acho que posso, sim, dizer isso. E essa atitude se caracterizaria, em primeiro lugar, pela compreensão. Pais e mães são pessoas que compreendem. Compreender significa ver os outros como realmente são, sem lhes conferir poderes que não têm, sem enxergar neles defeitos fictícios, e, principalmente, sem projetar neles nossas fantasias. A infância é pródiga em fantasias, que são fonte de encanto mas também de sofrimento, porque não raro resultam em frustração. O adulto vai aos poucos renunciando às fantasias, mas troca-as pelo conforto, mais modesto porém mais sólido, da realidade. Se minha mãe voltasse do "assento etéreo", de que fala Camões, eu teria diante de mim uma mulher inteligente, culta, porém frágil, ansiosa. Pela inteligência, eu lhe cumprimentaria; pela cultura, eu lhe agradeceria - afinal, foi ela que me introduziu ao mundo dos livros, que habito com prazer até hoje. Quanto à fragilidade, à ansiedade, o que eu faria? Mentir, dizendo que no fim tudo termina bem? Não, no fim nem tudo termina bem, a tragédia nos espreita em cada curva do caminho de nossa vida. Eu não mentiria. Mas procuraria, sim, acalmá-la. Não podemos esperar da vida a felicidade, disse Freud, mas podemos esperar pelo menos uma tranqüila infelicidade. Podemos desfrutar de modestos prazeres, podemos ter a alegria do conhecimento, da amizade. Ah, sim, e podemos ser pais e mães. Podemos nos integrar nessa longa corrente da humanidade e assim ter a sensação de que já não estamos sós. Acho que minha mãe gostaria de ouvir isso. Toda mãe precisa de um pai. E quando a mãe vê o próprio filho transformado em pai seguramente sente que sua vida fez sentido.
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